Contra todas as recomendações, Edgar deu prosseguimento no processo e no apagar das luzes do ano de 2016 (dia 28 de dezembro) assinou o contrato com a empresa OT Ambiental. Agora o Vigilantes da Gestão está reiterando a recomendação ao novo prefeito, Leonaldo Paranhos, para anular o contrato e fazer nova licitação, dentro da Lei. Além de recomendar, foi elaborado fundamentação, visando não haver possibilidade do prefeito alegar desconhecimento dos preceitos legais.
No dia 25 de julho de 2016 já havia sido enviado recomendação ao prefeito EDGAR BUENO (PDT), prefeito à época, para que o edital fosse suspenso e corrigido no prazo da Lei. Para o Vigilantes da Gestão “o edital é nulo, já que a licitação foi feita na modalidade concorrência, com o tipo técnica e preço. Porém, o objeto licitado não se reveste de características especiais a ensejar a valoração subjetiva de propostas, na medida em que o próprio edital de licitação já prevê, com minúcias, os serviços a serem executados”.
O prefeito Edgar Bueno, contra todas as recomendações, deu prosseguimento no processo e no apagar das luzes do ano de 2016 (dia 28 de dezembro) assinou o contrato com a empresa OT Ambiental.
Naquela época o juiz Eduardo Villa Coimbra Campos atendeu pedido da CGC Coleta Geral Concessões LTDA e determinou a suspensão da licitação do lixo em Cascavel, prevista para ocorrer na segunda-feira da semana que vem.
Na ação ordinária (com pedido liminar de antecipação de tutela, a empresa afirmava que diversos dispositivos do edital da concorrência pública apresentariam ilegalidades, tendo, inclusive, subjetividades excessivas dos critérios de julgamento de proposta técnica e “exacerbado impacto do julgamento de técnica sobre o julgamento de preço”, entre outros aspectos.
Ao atender o pedido, o magistrado entendeu que havia inegável perigo de dano, sendo, portanto, inviável aguardar o natural trâmite do processo, o que justificaria a antecipação de tutela.
O juiz pontuou que “afiguram-se prováveis as ilegalidades referentes à excessiva subjetividade dos critérios de julgamento da proposta técnica e o exacerbado impacto da nota técnica sobre a nota de preço”.
“Há uma grande e injustificável disparidade entre os pesos efetivos atribuídos para técnica e preço no edital objeto da presente demanda, de modo que a proposta econômica não possui relevância significativa, tendo a nota técnica papel preponderante no julgamento, sem motivação aparente”, destaca o magistrado. A licitação estará suspensa até o julgamento do caso.
Nova Recomendação – Agora, já sob o comando de Leonaldo Paranhos, o presidente do Vigilantes da Gestão, Sir Carvalho, foi até a prefeitura de Cascavel para protocolar nova recomendação onde aponta a necessidade do novo prefeito anular a licitação conforme prevê o art. 49 de lei de Licitações (8.666/93).
Na recomendação, a Licitação desrespeitou a lei, ao não escolher o tipo de julgamento adequado, deu nota para empresa que não fazia jus e deve ser anulado, sob pena de o novo prefeito também responder por atos ilegais.
O preço também aponta para superfaturamento, se comparado com os serviços pagos na cidade de Toledo, por exemplo. “Mesmo já oferecendo descontos que chegaram a um contrato com preço menor ao já praticados pela mesma empresa, ainda é possível ser menor, se o processo for elaborado da forma legal, pois abrirá para mais empresas participar, acirrando muito mais a concorrência, possibilitando redução de preços”, afirmou Sir Carvalho.
Veja a íntegra do parecer enviado ao prefeito Leonaldo Paranhos:
Ofício 003/2017 Curitiba, 21 de janeiro de 2017.
A PREFEITURA MUNICIPAL DE CASCAVEL – PR
EXCELENTÍSSIMO SENHOR
LEONALDO PARANHOS DA SILVA
MD PREFEITO
CASCAVEL – PR
NESTE.
CF – “Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”
O VIGILANTES DA GESTÃO PÚBLICA, organização não governamental, com fins não econômicos, no exercício da cidadania, visando o controle social e o acompanhamento dos gastos públicos, prerrogativa prevista no artigo 5º, incisos XXXIII e XXXIV, 31 § 3º da Constituição Federal, através de seu Presidente, que a este subscreve, no exercício de suas atribuições legais e estatutárias, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, em razão dos fatos e motivos a seguir expostos:
Como é de Vosso conhecimento a presente manifestação pauta-se no previsto pelo Estatuto Social desta entidade, em seu art. 2º, onde respectivamente disserta sobre seus objetivos:
- Contribuir, diretamente, para que haja maior transparência na gestão dos recursos públicos, de acordo com o previsto no artigo 5º, incisos XIV e XXXIV; no artigo 37, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1988.
- Estimular a participação da sociedade civil organizada no processo de avaliação da gestão dos recursos públicos, visando defender e reivindicar a austeridade necessária na sua aplicação, dentro de princípios éticos com vistas à paz e à justiça social.
- Apresentar propostas para o desenvolvimento de projetos, atividades, estudos, que contemplem a promoção de mudanças fundamentais e essenciais no processo de gestão dos recursos públicos, principalmente nas áreas de saúde, educação, recursos humanos, licitações, gastos do poder legislativo e assistência social.
A exigência de licitação para as contratações realizadas pelo Poder Público advém do artigo 37, inciso XXI, da Constituição da República, que tem o seguinte teor:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
“…
“XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensável à garantia do cumprimento das obrigações”.
As mesmas regras são repetidas pela legislação ordinária, de acordo com a previsão contida no artigo 2º da Lei n° 8666/93:
Art. 2 ° – As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei”.
Também é importantes frisar o que estabelece pela Lei 8.666/93 em seu art. 3º:
…
- 3o A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura.
…
Salientamos que nosso parecer não tem o viés de participação no processo, como fornecedor, mas sim como exercício do Controle Social da Gestão Pública, portanto, a negativa de correção nos itens apontados, em tempo hábil, ensejará o encaminhamento dos pleitos ao representante do Ministério Público para as tomadas de providências cabíveis.
Considerações sobre consulta
“Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.”
OBJETO DA RECOMENDAÇÃO
Cuida a presente sobre dúvida acerca da aplicação do art. 49 da Lei 8.666/93 – referente à anulação do procedimento licitatório – em certames atinentes à contratação de serviços de coleta e outros serviços de Limpeza e destinação dos resíduos domiciliares de Cascavel.
Considerando-se que a prefeitura de Cascavel é a responsável pela realização de licitação para contratação dos serviços citados na Concorrência nº 10/2016 – Serviços de Limpeza, coleta, destinação e outros;
Considerando que o procedimento de licitação apresenta especificidades que se amoldam à Lei nº 8.666/93 e outras correlatas;
Considerando que o procedimento licitatório em comento estende-se por cinco anos;
Considerando que nas diversas fases do processo é possível constatar-se a existência de vícios;
Considerando que a anulação do certame é contrária à própria Administração Pública, que despenderá recursos financeiros – nomeadamente: horas de trabalho de servidores, material de escritório, publicações em Diário Oficial;
Considerando que os efeitos decorrentes da anulação geram dúvidas perante os pareceristas;
Considerando que a anulação de todo o procedimento com a publicação de novo Edital possibilitará que a proponente que ensejou a anulação do certame participe novamente do certame em igualdade de condições com as demais licitantes.
Pergunta-se:
Tendo em vista as peculiaridades que norteiam o procedimento licitatório em comento, resta perquirir, os efeitos da anulação atingem todo o certame?
Portanto, deseja esclarecer quais os efeitos produzidos pela anulação em procedimento licitatório, se atingem todo o certame ou apenas os atos posteriores ao vício, considerando-se as peculiaridades da licitação.
A Regência da Lei
- 1 Uma vez aberto o edital, rege-se o certame pelo disposto na Lei n.º 8.666/93.
- 2 Conclui-se que da abertura do edital de licitação à adjudicação do objeto da licitação de contratação dos serviços, rege-se o certame pelos dispositivos da Lei nº 8.666/93. Ademais, a questão suscitada na consulta levanta dúvidas a respeito dos efeitos de possível anulação sobre todo o certame, levando a realização de nova licitação, ou apenas sobre os atos posteriores ao vício. Convém analisar, portanto, os preceitos impostos pela Lei de Licitações quanto às fases da licitação, com atenção especial à etapa externa, e especialmente às fases de habilitação de licitantes e classificação de propostas, além da possibilidade de revogação e anulação do certame.
LEI 8.666/93: FASES, HABILITAÇÃO DE LICITANTE E CLASSIFICAÇÃO DE PROPOSTA
O procedimento licitatório, regido pela Lei nº 8.666/93, divide-se em duas etapas: a interna e a externa. Cada uma dessas etapas é composta de diferentes fases, as quais devem ser superadas sequencialmente. Na lição de Marçal Justen Filho[1]:
“A etapa interna se desenvolve no âmbito exclusivo da Administração, sem a participação de terceiros. Essa etapa se destina à prática dos atos necessários à definição da licitação e do contrato que se seguirão.
Na fase externa, realizam-se os atos destinados diretamente a selecionar contratante e proposta mais vantajosa. Essa fase externa da licitação desdobra-se em diversas etapas, a saber:
- Fase de Divulgação: destinada a dar ciência aos terceiros da existência da licitação (seja para que participem da licitação, seja para que fiscalizem sua regularidade).
- Fase de Proposição: destinada à formulação de propostas pelos interessados em participar da licitação.
- Fase de Habilitação: destinada à Administração verificar se os interessados possuem condições de satisfazer as obrigações que pretendem assumir.
- Fase de Julgamento: destinada à seleção da proposta mais vantajosa.
- Fase de Deliberação: destinada à revisão dos atos praticados e avaliação da conveniência e legalidade do resultado.”
Na fase de habilitação, prevista no art. 43, I e II, da Lei nº 8.666/93, é verificado se o licitante atende aos requisitos impostos pela lei, os quais demonstram sua capacidade para satisfazer o objeto licitado. Os arts. 27 a 32 discriminam a documentação a ser exigida, em rol taxativo. A habilitação é um ato vinculado, em que não cabe qualquer juízo de conveniência. Portanto, atendidas as condições da lei, deverá ser habilitado o licitante. O licitante inabilitado não pode participar das fases subsequentes do certame, de acordo com o art. 41, § 4º, da Lei n º 8.666/93.
Na fase de julgamento é realizada a abertura, julgamento e classificação das propostas, desde que devidamente concluída a fase de habilitação. Nos termos da Lei nº 8.666/93:
“Art. 43. A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:
III – abertura dos envelopes contendo as propostas dos concorrentes habilitados, desde que transcorrido o prazo sem interposição de recurso, ou tenha havido desistência expressa, ou após o julgamento dos recursos interpostos;
IV – verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis;
V – julgamento e classificação das propostas de acordo com os critérios de avaliação constantes do edital;”
O art. 48 da Lei nº 8.666/93 traz as situações em que deverá ocorrer a desclassificação de propostas na fase de julgamento:
“Art. 48. Serão desclassificadas:
I – as propostas que não atendam às exigências do ato convocatório da licitação;
II – propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.”
Na fase de deliberação, a autoridade competente decide quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação, de acordo com o art. 43, VI, da Lei nº 8.666/93. Essa fase possibilita a revisão dos atos praticados pela Comissão de Licitação, além do juízo de conveniência e da verificação da legalidade do resultado.
Merece ser ressaltado que existe uma autonomia relativa entre as fases do procedimento licitatório, decorrente da sequência procedimental do certame. Desse modo, superada uma determinada fase da licitação, não seria possível rediscuti-la em fases posteriores, via de regra. Nesse sentido ensina Marçal Justen Filho[2]:
“… alude-se a uma autonomia relativa entre as diversas fases e etapas do procedimento licitatório. A expressão “relativa” significa que, como regra, a competência para prática do ato se exaure no âmbito da etapa correspondente. Como cada etapa possui uma destinação certa e definida, o encerramento de uma fase é obstáculo a que a matéria volte a ser versada. Porém, o fundamento de validade de uma etapa consiste no exaurimento da anterior, de modo válido. Logo, um ato viciado poderá produzir efeitos sobre todos os subsequentes, ainda que esses, isoladamente considerados, não apresentem qualquer defeito. Isso se passa quando a validade do ato subsequente pressupuser a validade do anterior.”
Exemplo pode ser verificado no texto da Lei de Licitações, em seu art. 43, § 5º, ao confirmar a impossibilidade de desclassificação de propostas na fase de julgamento com fundamento em vícios na habilitação, salvo fatos supervenientes ou conhecidos somente após o julgamento:
“§ 5º Ultrapassada a fase de habilitação dos concorrentes (incisos I e II) e abertas as propostas (inciso III), não cabe desclassificá-los por motivo relacionado com a habilitação, salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento.”
Retorna-se ao autor Marçal Justen Filho[3], que esclarece a motivação existente na restrição do art. 43, § 5º:
“Somente se passa à fase de exame das propostas após exaurida a fase de habilitação. E as questões anteriormente decididas não podem ser reanalisadas (como regra).
O exaurimento da fase de habilitação faz-se por três formas, indicadas no inc. III. Ou todos interessados desistem da faculdade de recorrer, ou decorre o prazo para recurso sem que seja interposto, ou os recursos eventualmente interpostos são decididos.
A vontade legislativa é de evitar que o conteúdo das propostas influencie a apreciação dos requisitos de habilitação – e vice-versa. Por isso, o § 5º prevê que, ultrapassada a fase de habilitação, não mais se pode questionar o exame dos requisitos de habilitação.
Os requisitos de habilitação não devem influenciar o julgamento das propostas. Tanto é verdade que a lei atribui efeito suspensivo ao recurso contra a decisão da habilitação (art. 109, § 2º). A Lei objetiva evitar que uma proposta vantajosa pudesse influenciar a Comissão a fazer vistas grossas à ausência de requisitos de habilitação.”
Observa-se, portanto, a existência de restrições legais ao reexame da decisão tomada na fase de habilitação em fases posteriores do certame, o qual somente ocorrerá caso exista fato superveniente ou só conhecido após o julgamento. Dessa forma, a Lei de Licitações buscou restringir a retomada de discussões referentes a uma determinada fase em outra subsequentes.
Nota-se que não há menção à possibilidade de anulação de atos eivados de vício e seu refazimento no transcorrer do procedimento licitatório; o que há é restrição a que a Comissão de Licitação desclassifique licitante em uma determinada fase devido a fatos já conhecidos e relativos a fases anteriores, quando deveriam ter sido apreciados, evitando desse modo uma eventual condução do resultado do certame. Portanto, o comando no § 5º do art. 43 da Lei nº 8.666/93 não exclui a possibilidade de anulação de atos em momento posterior à fase em que incorrerem. Nesse sentido, discorre Marçal Justen Filho[4]:
“O § 5º deve ser interpretado à luz do art. 49. A qualquer tempo, a Administração deve invalidar a licitação em caso de ilegalidade. Logo, se houver nulidade na decisão de habilitação, o vício pode ser conhecido a qualquer tempo. Comprovando que um determinado licitante não preenchia os requisitos para habilitação e que o defeito fora ignorado pela Comissão, a Administração tem o dever de reabrir a questão, anulando sua decisão anterior. O § 5º não significa que a decisão pela habilitação produza o suprimento de vício de nulidade. Determina, tão-somente, que os aludidos requisitos não mais serão objeto de questionamento, na fase de julgamento das propostas. Veda a eliminação da proposta sob fundamento de ausência de idoneidade do licitante para contratar com a Administração. Não veda a possibilidade de revisão do ato administrativo anterior. Porém, para isso, a Administração deverá demonstrar, de modo fundado e justificado, o vício de sua decisão anterior.”
ANULAÇÃO DE LICITAÇÃO – CONSIDERAÇÕES
A possibilidade de anulação de atos administrativos ilegítimos ou ilegais, praticada pela própria Administração, diante do princípio da autotutela, é pacífica na doutrina do Direito Administrativo e é objeto da Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal:
“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
No entendimento de Hely Lopes Meirelles[5] sobre a anulação de atos administrativos operada pela Administração:
“Para a anulação do ato ilegal (não confundir com ato inconveniente ou inoportuno, que rende ensejo à revogação, e não à anulação) não se exigem formalidades especiais, nem há prazo determinado para a invalidação, salvo quando norma legal o fixar expressamente. O essencial é que a autoridade que o invalidar demonstre no devido processo legal, a nulidade com que foi praticado. Evidenciada a infração à lei, fica justificada a anulação administrativa. Ocorrendo situação que caracterize um litígio com o destinatário do ato a ser objeto de exame para eventual anulação, a Administração Pública deve assegurar-lhe o direito de defesa e o contraditório, previsto no art. 5º, LV, da CF, […] Reitere-se que, pela regra geral, e afora os casos excepcionais, o ato nulo não vincula as partes, mas pode produzir efeitos válidos em relação a terceiros de boa-fé. Somente os efeitos que atingem terceiros é que devem ser respeitados pela Administração; as relações entre as partes ficam desfeitas com a anulação, retroagindo esta à data da prática do ato ilegal e, consequentemente, invalidando seus efeitos desde então (ex tunc).”
O art. 49 da Lei nº 8.666/93 trata dos casos de revogação e de anulação do procedimento licitatório, a serem praticados pela autoridade competente para a aprovação do certame, em plena conformidade com o princípio da autotutela:
Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.
- 1o A anulação do procedimento licitatório por motivo de ilegalidade não gera obrigação de indenizar, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei.
- 2o A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei.
- 3o No caso de desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa.
- 4o O disposto neste artigo e seus parágrafos aplica-se aos atos do procedimento de dispensa e de inexigibilidade de licitação.
Na presente consulta, surge a discussão quanto à possibilidade de anulação parcial de atos da licitação com fulcro no art. 49 supracitado, ou seja, a anulação de somente alguns atos constituintes do procedimento licitatório, sem que haja necessidade de se anular a totalidade do certame.
Observa-se que o caput dispõe que a autoridade competente deverá anular a licitação por ilegalidade, de modo que não explicita se poderá ou não ocorrer a anulação de apenas alguns atos constituintes do procedimento licitatório, ou se a anulação deverá atingir sempre a totalidade do certame.
O tema em questão é objeto de controvérsia na doutrina, quanto a possibilidade ou não da anulação parcial, o momento em que esta ocorreria, e a competência para o ato anulatório, se da Comissão de Licitação ou da autoridade responsável pela homologação da licitação ou de ambos.
Consta do manual sobre licitações e contratos[6], organizado pelo TCU, que a anulação do art. 49 atinge toda a licitação, sem especificar quem será o agente responsável pela anulação, referindo-se somente à “Administração”:
“O ato de anular atinge toda a licitação, determinando seu encerramento de forma total. A anulação do procedimento licitatório por motivo de ilegalidade não gera obrigação de indenizar e a nulidade do procedimento licitatório torna nulo o contrato. [grifo nosso]
A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado, pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados. O dever de indenizar não cabe quando o contratado tiver dado causa ao ato ilegal. A Administração deve apurar a responsabilidade de quem lhe deu causa.”
“O ato de anular a licitação pode ser praticado tanto pela Administração licitadora quanto pela justiça. Decorre de procedimento viciado.”
No referido manual consta, no que diz respeito à adjudicação e homologação[7], que:
“Adjudicação é o ato pelo qual a Administração atribui ao licitante vencedor o objeto da licitação. Homologação é o ato pelo qual é ratificado todo o procedimento licitatório e conferido aos atos licitatórios aprovação para que produzam os efeitos jurídicos necessários.
Cabe à autoridade competente pela homologação verificar a legalidade dos atos praticados na licitação e a conveniência da contratação do objeto licitado para a Administração.”
Portanto, na visão daquele manual, a autoridade competente para a homologação, ao identificar a existência de ilegalidades no procedimento licitatório, deverá anular todo o certame. Tal anulação ocorrerá após o encerramento dos atos praticados pela Comissão de Licitação e antes que seja homologada e adjudicada a licitação.
Entende-se deveras restritivo tal interpretação, por impossibilitar qualquer tipo de ato anulatório a ser praticado pela Comissão de Licitação, ao verificar ilegalidades no transcurso do procedimento, bem como a anulação parcial pela autoridade competente.
O entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[8] admite a possibilidade de anulação parcial de um determinado ato ou fase do procedimento licitatório, a ser praticada pela Comissão de Licitação, mas somente antes do encerramento da fase a ser anulada e do início da fase subsequentes. Ultrapassada a fase viciada, deverá ser promovida a anulação de todo o certame:
“A anulação pode ser parcial, atingindo determinado ato, como a habilitação ou classificação. Como desses atos cabe recurso, se a Comissão der provimento, reconhecendo a ilegalidade, ela deverá invalidar o ato e repeti-lo, agora escoimado de vícios; isto se a invalidação não for verificada posteriormente, quando já se estiver na fase subsequente; neste caso, deverá anular todo o procedimento.” [grifo nosso]
Na interpretação do Dr. Lucas Rocha Furtado[9], a autoridade responsável pela homologação, ao verificar a legalidade dos atos praticados, pode anular o ato viciado e restituir o procedimento à Comissão de Licitação, para que o refaça. Admite, portanto, a anulação parcial pela autoridade no momento da homologação:
“Ao homologar a licitação, a autoridade competente deve examinar, em primeiro lugar, se a comissão cumpriu as regras contidas na Lei de Licitações e no próprio edital. Caso tenham sido essas regras descumpridas, deverá a autoridade anular o ato que tenha sido praticado pela comissão. É importante observar que, ao declarar a nulidade do ato, essa autoridade não poderá substituir a competência da Comissão. Anulada, por exemplo, a desclassificação de uma proposta, a autoridade restitui os autos à Comissão, a fim de que esta proceda à nova classificação.”
Igual entendimento pode ser verificado na obra de José dos Santos Carvalho Filho[10]:
“A autoridade competente superior, que usualmente tem a função de ordenador de despesas e poder de decisão para as hipóteses de contratação, tão logo receba o processo de licitação, encaminhado pela Comissão, pode decidir de acordo com uma das seguintes alternativas:
- determinar o retorno dos autos para a correção de irregularidades, se estas forem supríveis;
- invalidar o procedimento, no todo ou em parte, se estiver inquinado de vício insanável;
- revogar a licitação por razões de ordem administrativa, observadas as condições do art. 49 do Estatuto; ou
- homologar o ato de resultado final da Comissão, considerando implicitamente a legalidade da licitação”
“A invalidação produz efeitos ex tunc e compromete todos os atos que se sucederam ao que estiver inquinado de vício, isso quando não compromete todo o procedimento. Por isso é que entendemos acertada a observação de que a anulação é ato vinculado, exigindo cabal demonstração das razões que a provocaram, não só porque assim se permite o controle da legalidade por parte dos interessados, como ainda porque o vício nas razões invocadas pode conduzir à invalidação do próprio ato anulatório.” [grifo nosso]
A lição de Hely Lopes Meirelles[11] traz a competência para anulação, total ou parcial, da autoridade responsável pela homologação (tal como Lucas Rocha Furtado e José dos Santos Carvalho Filho), mas também admite a anulação operada pela Comissão de Licitação, ao reexaminar sua decisão em recurso próprio sobre seu julgamento, ressaltando que a anulação por ilegalidade no procedimento pode ser feita em qualquer fase e a qualquer tempo, antes da assinatura do contrato:
“A competência para anular ou revogar é, em princípio, da autoridade superior que autorizou ou determinou a licitação, mas, tratando-se de ilegalidade no julgamento, a Comissão que o proferiu poderá anulá-lo no recurso próprio, ao reexaminar sua decisão.
A anulação da licitação, por basear-se em ilegalidade no seu procedimento, pode ser feita em qualquer fase e a qualquer tempo, antes da assinatura do contrato, desde que a Administração ou o Judiciário verifique e aponte a infringência à lei ou ao edital.”
“A anulação opera efeitos ex tunc, isto é, retroage às origens do ato anulado, porque, se este era ilegal, não produziu consequências jurídicas válidas, nem gerou direitos e obrigações entre as partes. Por isso mesmo não sujeita a Administração a qualquer indenização, pois o Poder Público tem o dever de velar pela legitimidade de seus atos e de corrigir as ilegalidades deparadas, invalidando o ato ilegítimo, para que outro se pratique regulamente. Ressalvam-se apenas os direitos de terceiros de boa-fé, que deverão ser indenizados dos eventuais prejuízos decorrentes da anulação.”
“A Comissão é o órgão julgador da concorrência e, por isso mesmo, nenhuma autoridade pode substituí-la na sua função decisória, estabelecida por lei federal. Se ocorrer irregularidade ou erro no julgamento, a autoridade competente poderá apenas anular a decisão, através de recurso ou ex officio, determinando que a Comissão corrija o erro ou proceda a novo julgamento em forma regular.” [grifo nosso]
No entendimento de Diogenes Gasparini[12], a Comissão de Licitação pode anular o ato ou fase viciada e os atos e fases subsequentes, em qualquer fase do procedimento – anulação parcial – enquanto a autoridade responsável pela homologação tem competência para anular a totalidade do certame – anulação total – no momento da homologação:
“Invalidação é o desfazimento da licitação acabada por motivo de ilegalidade. Pode ser realizada pela entidade licitante e pelo Judiciário. Na primeira hipótese, diz-se simplesmente invalidação; na segunda, diz-se meramente anulação. […] O fundamento da invalidação da licitação está previsto no art. 49 do Estatuto Federal Licitatório.
“A invalidação é ato administrativo vinculado, visto que fundada numa ilegalidade. Exige-se, portanto, a competente demonstração dos motivos que levaram a entidade a pôr fim ao procedimento. A falta dessa motivação pode levar a nulidade à invalidação. Esta é ato da entidade licitante que incide sobre a licitação acabada ou concluída, sem que isso signifique qualquer vedação para a entidade licitante declarar motivadamente a invalidade de qualquer ato ou fase do procedimento licitatório ainda em curso. Nesta hipótese não se está, como na anterior, extinguindo a licitação. Sempre que a invalidação da licitação se impuser, declara-se ela e se determina o seu refazimento. Igualmente, sempre que a invalidação do ato ou fase do procedimento for indispensável, declara-se ela e promove-se a reedição do ato ou a restauração da fase, de modo a se ter um certame isento de vício de ilegalidade. A diferença entre uma e outra dessas hipóteses está no momento do seu pronunciamento (na primeira hipótese, ocorre na homologação; na segunda, acontece em qualquer fase do procedimento), na autoridade competente para a sua prática (na primeira hipótese, é a autoridade indicada para homologar ou a que lhe seja superior; na segunda, a comissão de licitação) e no próprio objeto da invalidação (na primeira hipótese, invalida-se toda a licitação; na segunda, só o ato ou a fase viciada e os atos e fases subseqüentes). A prática do ato de invalidação, como extintivo da licitação, cabe à autoridade a quem toca promover a homologação e a adjudicação.” [grifo nosso]
Como se pôde observar, são pontos de controvérsia na doutrina:
- se a Comissão de Licitação pode anular atos e fases eivados de vícios e refazê-los, e o momento em que poderia atuar dessa forma;
- se a autoridade responsável pela homologação, quando da apreciação da regularidade dos atos praticados no procedimento licitatório, pode anular somente atos e fases eivados de vícios e determinar seu refazimento, aproveitando os atos regulares, ou se deve sempre declarar a nulidade de todo o procedimento ante a existência de algum vício, independentemente de que este afete todos os atos ou não do certame, determinando seu refazimento desde o início.
Passa-se agora a uma análise de decisões do Poder Judiciário e do próprio TCU em que se observa a existência de determinações para a anulação parcial de licitação e o refazimento de atos viciados, aproveitando-se os atos regulares praticados antes do vício identificado, até mesmo após o encerramento do certame e a assinatura do respectivo contrato – que também deverá ser anulado.
JURISPRUDÊNCIA DO TCU E DO JUDICIÁRIO
São escassas as decisões em que o TCU se pronunciou explicitamente acerca da possibilidade de anulação parcial de licitações. Na jurisprudência daquela Corte de Contas, há pelo menos um precedente em que o Tribunal determinou a órgão público que adotasse medidas visando a anulação de atos constituintes de licitação (no caso, um pregão) e o seu refazimento, a partir da fase em que ocorreu o vício identificado, ainda que a licitação já houvesse sido encerrada e o contrato assinado.
É o caso dos Acórdãos 267/2006 – Plenário e 2389/2006 – Plenário, ambos relacionados ao Processo TC 020.747/2005-3, relatado pelo Ministro Ubiratan Aguiar:
Acórdão 267/2006 – Plenário
“Ementa
REPRESENTAÇÃO. PREGÃO. EXIGÊNCIA ILEGAL DE DOCUMENTOS CONSTANTES DO SICAF. DETERMINAÇÃO.
Considera-se procedente representação para fixar prazo a fim de que a entidade proceda à anulação de todos os atos praticados após o término da oferta de lances, em relação a pregão realizado, tendo em vista a desclassificação de concorrentes em razão da exigência ilegal de documentos que já haviam sido apresentados quando do cadastramento no Sicaf.
Sumário
Representação. Irregularidade em pregão realizado pela CEF. Exigência de apresentação posterior de documentos constantes do Sicaf. Afronta ao art. 4º, inciso XIV, da Lei 10.520/2002 e ao art. 14, parágrafo único, do Decreto n.º 5.450/2005. Fixação de prazo para anulação de um dos atos de desclassificação das empresas e dos atos que se sucederam. Oitiva prévia da empresa contratada. Audiência. Determinações. Ciência aos interessados.
Acórdão
[…] 9.2. fixar, nos termos do art. 71, IX, da Constituição Federal c.c. art. 45 da Lei nº 8443/92, o prazo de 15 (quinze) dias, a partir da notificação, para que a Caixa Econômica Federal adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, anulando todos os atos praticados após o término da oferta de lances, em relação ao item III do Pregão n.º 105/7855-2004, devendo dar prosseguimento ao processo licitatório a partir do status quo em que se encontrava, ou seja, procedendo à verificação do atendimento aos requisitos do edital, quanto à qualificação econômico-financeira da empresa Bioclean Serviços Gerais Ltda., vez que fora a licitante que ofertou a melhor proposta;[…]
9.4. promover a oitiva da empresa Convip Serviços Gerais Ltda., para que se pronuncie acerca da desclassificação irregular da empresa Plansul – Planejamento e Consultoria Ltda. e consecutiva adjudicação e assinatura do contrato entre a Caixa Econômica Federal e essa empresa, em 8/11/2005, para a execução do item II do Pregão n.º 105/7855-2004, haja vista a possibilidade de anulação dos atos que ensejaram sua contratação; […]” [grifo nosso]
Acórdão 2389/2006 – Plenário
“9.2. fixar, nos termos do art. 71, IX, da Constituição Federal c/c o art. 45, da Lei nº 8443/92 o prazo de 15 (quinze) dias, a partir da notificação, para que a Caixa Econômica Federal adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, anulando todos os atos praticados após o término da oferta de lances, em relação ao item II do Pregão n.º 105/7855-2004, devendo dar prosseguimento ao processo licitatório a partir do status quo em que se encontrava, ou seja, procedendo à verificação do atendimento aos requisitos do edital, quanto à qualificação econômico-financeira da empresa Plansul Planejamento e Consultoria Ltda., vez que fora a licitante que ofertou a melhor proposta;” [grifo nosso]
Decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) indicou explicitamente a desnecessidade de se anular todo o certame devido a vício verificado na fase de habilitação e que não afetou a totalidade do procedimento:
“Processo: AMS 1999.01.00.008602-6/MG
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. ANULAÇÃO. LEGALIDADE. COISA JULGADA E PRECLUSÃO ADMINISTRATIVAS. INEXISTÊNCIA. AFETAÇÃO DOS ATOS POSTERIORES. DESNECESSIDADE DE SE ANULAR TODO O PROCEDIMENTO.
– A fase de habilitação no procedimento licitatório não se caracteriza como um ato discricionário, o que significa dizer que pode ser revisto ou anulado a qualquer tempo pela Administração, não se operando sobre ele a preclusão ou a coisa julgada administrativas, conforme se depreende da conjugação dos arts. 43, § 5º; e 49 da Lei n. 8.666/93. A eventual anulação da habilitação não afeta todo o procedimento licitatório, mas apenas os atos e fases que lhe são posteriores.” [grifo nosso]
Em outra decisão, o TRF1 anulou ato da Comissão de Licitação que desclassificou licitante que cumprira os requisitos do edital, determinando o refazimento dos atos afetados, sem que fosse necessária a anulação de toda a licitação:
“Processo: AMS 1998.39.00.010856-6/PA
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. INABILITAÇÃO DE EMPRESA QUE ATENDEU A EXIGÊNCIA DO EDITAL 001/98 DO CENTRO NACIONAL DE PRIMATAS. ANULAÇÃO DOS ATOS PRATICADOS PELA COMISSÃO DE LICITAÇÃO APÓS A DECLARAÇÃO DE INABILITAÇÃO DA IMPETRANTE, DETERMINANDO A RENOVAÇÃO DESSES ATOS.
[…] II – Havendo a empresa licitante comprovado ser permissionária de Serviço Limitado no Ministério das Comunicações, com 13 (treze) estações autorizadas para operar, sendo duas portáteis (walk talk), cumpriu a exigência documental estabelecida pelo Edital 001/98, do Centro Nacional de Primatas, afigurando-se, assim, ilegal o ato de inabilitação e todos os subseqüentes.” [grifo nosso]
Mais uma decisão do TRF1 determinou a anulação de ato que excluiu irregularmente licitante de um certame na fase de habilitação, bem como do contrato já assinado, sem que fosse necessária a anulação completa da licitação:
“Processo: AMS 1997.01.00.036100-1/GO
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA.
INABILITAÇÃO INJUSTA. SEGURANÇA DEFERIDA.
I – A existência de certidões positivas com efeito de negativas não é motivo suficiente para inabilitar empresa de licitação.
II – Comprovada a regularidade fiscal da impetrante e, sendo esta a causa de sua exclusão do certame, deve-se proceder à anulação do ato administrativo, assim como de seus efeitos como a contratação da litisconsorte passiva necessária.” [grifo nosso].
Quanto ao momento em que pode ser declarada a nulidade da licitação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já entendeu que esta pode ocorrer após a celebração do contrato, no julgamento do REsp 447814/SP:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. LICITAÇÃO.
CONTRATO ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO. POSSIBILIDADE.
[…]3. A possibilidade de anulação do procedimento licitatório após celebrado o contrato administrativo não suscita maiores dúvidas, porquanto a própria Lei 8.666/93 dispõe que a nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato dele decorrente.
- Não observadas as regras legais que regulam tal procedimento, de modo a causar prejuízo à Administração Pública ou a qualquer das partes, impõe-se o reconhecimento da nulidade.
- A exegese do § 3º, do art. 49, da Lei 8.666/93, mostra que a redação do mesmo é dirigido à autoridade administrativa e não à judiciária.”[grifo nosso].
ANÁLISE
O art. 49 da Lei nº 8.666/93 é explícito quanto à competência da autoridade responsável pela aprovação e homologação do certame para que anule a licitação por irregularidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado. Resta a questão sobre a possibilidade de que essa mesma autoridade anule apenas alguns atos irregulares do procedimento, aproveitando-se os atos corretamente praticados e não afetados pelo vício descoberto, e a possibilidade de anulação de atos operada pela Comissão de Licitação.
Como observado nos itens anteriores, o TCU e o TRF1 já determinaram anulações parciais, devido a vícios em determinada fase do certame que não o comprometiam em sua totalidade. Por extensão, mostra-se coerente a interpretação pela possibilidade de que a autoridade responsável pela homologação, que tem o dever de verificar a regularidade dos atos praticados durante o procedimento licitatório, possa também determinar a anulação parcial do certame. Isso decorre do previsto no art. 49 da Lei de Licitações, do princípio da autotutela e do interesse público, haja vista a inconveniência de se refazer todos os atos do certame, sem o aproveitamento daqueles que foram executados com correção e não afetados pelos vícios identificados. Nesse caso, a anulação total levaria a custos financeiros e de tempo, evitáveis admitindo-se a anulação parcial.
Naturalmente, a possibilidade de anulação parcial tem como pressuposto que o vício identificado não afeta a totalidade do certame nem atinge os princípios basilares da licitação. Devem ser anulados, além do ato originalmente irregular, todos os outros posteriores e decorrentes deste, pois que também estarão maculados de vício. Caso o vício atinja todos os atos constantes da licitação, necessária se faz a anulação completa e o refazimento do procedimento desde o início, pois não haverá atos regulares aproveitáveis.
Entende-se, portanto, ser possível a anulação de ato ou fase da licitação, inquinado de vício que não afete a totalidade do certame, bem como dos atos e fases subsequentes, operada pela autoridade competente para a homologação, a qualquer tempo. Como consequência, o procedimento licitatório deverá ser devolvido para a Comissão de Licitação, a fim de que refaça os atos anulados, aproveitando-se os atos regulares e não afetados pelo vício já praticados.
Ressalta-se que, caso a anulação ocorra posteriormente à assinatura do contrato, este deverá ser anulado, visto que a nulidade da licitação induz à nulidade do contrato (Lei nº 8.666/93, art. 49, § 2º). Deve ser garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa dos interessados (Lei nº 8.666/93, art. 49, § 3º). Deve ainda ser observada a necessidade de se indenizar o contratado, cuja avença foi anulada, pelo que houver executado e demais prejuízos que não lhe sejam imputáveis, como preceitua o art. 59 da Lei de Licitações:
“Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.
Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.” (grifamos)
Quanto à Comissão de Licitação, não há explícita previsão legal sobre competência para anulação de atos. No entanto, mostra-se inconveniente e ilógico que, identificado vício em ato ou fase da licitação, pela Comissão ou por provocação externa, seja continuado o procedimento licitatório, para que somente a autoridade responsável pela homologação o anule e determine o refazimento. Portanto, não se observam óbices para que a própria Comissão de Licitação, no decorrer do procedimento, atendendo ao princípio da autotutela, anule parcialmente o certame e o refaça, aproveitando os atos regulares praticados.
PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO
Ante o exposto, propõe-se:
- a) é possível, nos termos do art. 49 da Lei nº 8.666/93, a anulação de ato ou fase da licitação, inquinado de vício que não afete a totalidade do certame, bem como dos atos e fases subsequentes, operada pela autoridade competente para a homologação, a qualquer tempo. Como consequência, o procedimento licitatório deverá ser devolvido para a Comissão de Licitação, a fim de que refaça os atos anulados, aproveitando-se os atos regulares e não afetados pelo vício já praticados;
- b) caso a anulação ocorra posteriormente à assinatura do contrato, este deverá ser anulado, visto que a nulidade da licitação induz à nulidade do contrato, nos termos do art. 49, § 2º, da Lei nº 8.666/93. Deve ser garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa dos interessados, de acordo com o art. 49, § 3º, da Lei nº 8.666/93. Deve ainda ser observada a necessidade de se indenizar o contratado, cuja avença foi anulada, pelo que houver executado e demais prejuízos que não lhe sejam imputáveis, como preceitua o art. 59 da Lei de Licitações;
- c) não se observam óbices para que a própria Comissão de Licitação, no decorrer do procedimento, atendendo ao princípio da autotutela, anule parcialmente o certame e o refaça, aproveitando os atos regulares praticados;
A consulta trata de dúvidas a respeito da aplicação do art. 49 da Lei n.º 8.666/93, no tocante à anulação de licitações de outorga de serviço. Segundo os argumentos que orientam a consulta, as incertezas consistem no procedimento a ser adotado quando se estivesse na etapa de homologação do certame, mas se verificassem vícios na fase de habilitação dos licitantes.
No exame da matéria, sob enfoque mais amplo, abarcando não só a fase de aprovação do procedimento sob a competência da autoridade superior da Administração, conforme a norma do art. 49 da Lei n.º 8.666/93, como também as fases anteriores e intermediárias do certame aos cuidados da comissão de licitação.
De início, sem dúvida, o aspecto determinante da consulta, a saber – a viabilidade de anular ou os atos parciais ou a integralidade do certame licitatório –, não se extrai diretamente das normas de regência das licitações e contratos administrativos. Como se sabe, o direito administrativo ainda se ressente de uma codificação legislativa sistemática ou exaustiva de suas particularidades, o que não impede se recorra a princípios informativos do interesse público ou mesmo a analogias com institutos próximos do sistema processual civil.
Nesse contexto, pode-se dizer que a disciplina da invalidade dos atos administrativos, embora em rigor não siga as categorias próprias das teorias das nulidades no direito civil ou no direito processual civil, compartilha de suas finalidades, em especial quanto à necessária apreensão prévia da natureza e do alcance do vício, com o objetivo de avaliar o impacto ou o prejuízo à atividade final almejada, para daí decidir sobre a renovação total dos atos (“nulidade”, para atos nulos, em princípio insanáveis) ou seu aproveitamento parcial (“anulabilidade”, para atos anuláveis ou sanáveis).
Ao discorrer sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Mello (“Curso de Direito Administrativo”. 19.ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2005) expõe elementos para a avaliação do grau de intolerância das categorias dos atos inválidos e, mais adiante, afirma que, sem negar as premissas das correntes existentes na doutrina, há no direito administrativo os atos irregulares, os inexistentes, os nulos e, ainda, os anuláveis, com os correspondentes regimes aplicáveis:
“158. O grau de intolerância em relação a eles [atos inválidos] há de ser compassado com o tipo de ilegitimidade. Se esta é suscetível de ser sanada, recusar-lhe em tese a possibilidade de suprimento é renegar a satisfação de interesses públicos em múltiplos casos.
(…)
Ademais, há vícios que pouco ou quase nada afetam o interesse finalístico procurado pelo Direito. É o caso dos defeitos de competência nos atos de conteúdo vinculado. Ao particular é quase indiferente seu autor e ao interesse público importa pouco esta autoria, pois as regras de competência estão postas, neste caso, em razão de objetivos de organização técnico-administrativa e não em atenção ao bem jurídico a ser atendido.” (págs. 440/441).
“154. Atos irregulares (…) são aqueles padecentes de vícios materiais irrelevantes, reconhecíveis de plano, ou incursos em formalização defeituosa consistente em transgressão de normas cujo real alcance é realmente o de impor a padronização interna dos instrumentos pelos quais se veiculam os atos administrativos.” (pág. 438)
“169. (…) dir-se-ão inexistentes os atos que assistem no campo do impossível jurídico, como tal entendida a esfera abrangente dos comportamentos que o Direito radicalmente admite, isto é, dos crimes (…).
- São nulos: a) os atos que a lei assim os define; b) os atos em que é racionalmente impossível a convalidação, pois, se mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior. Sirvam de exemplo: os atos de conteúdo (objeto) ilícito; os praticados com desvio de poder; os praticados com falta de motivo vinculado; os praticados com falta de causa.
- São anuláveis: a) os que a lei assim os declare; b) os que podem ser repraticados sem vício. Sirvam de exemplo: os atos expedidos por sujeito incompetente; os editados com vício de vontade; os proferidos com defeito de formalidade.” (pág. 446)
“173. (…) cumpre aqui discutir os efeitos da invalidação, buscando-se saber se ela sempre, ou nem sempre, tem efeitos ex tunc e o que determinará se seus efeitos serão desta espécie ou se e quando serão ex nunc.
(…) pensamos hoje que o assunto só se resolve adequadamente tomando-se em conta a fundamentalíssima distinção – e que cada vez nos parece mais importante para uma teoria do ato administrativo – entre atos restritivos e atos ampliativos da esfera jurídica dos administrados, discrímen, este, que funda uma dicotomia básica, influente sobre inúmeros tópicos do Direito Administrativo (como, por exemplo, o da eficácia dos atos administrativos – sua imperatividade e executoriedade –, o dos princípios do procedimento administrativo, o da teoria da vontade do particular no ato administrativo, o da coisa julgada administrativa ou o das conseqüências da invalidação).
Na conformidade desta perspectiva, parece-nos que efetivamente nos atos unilaterais restritivos da esfera jurídica dos administrados, se eram inválidos, todas as razões concorrem para que sua fulminação produza efeitos ex tunc, exonerando por inteiro quem fora indevidamente agravado pelo Poder Público das conseqüências onerosas. Pelo contrário, nos atos unilaterais ampliativos da esfera jurídica do administrado, se este não concorreu para o vício do ato, estando de boa-fé, sua fulminação só deve produzir efeitos ex nunc, ou seja, depois de pronunciada.” (pág. 447)
Marçal Justen Filho (“Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”. 12.ª ed., São Paulo: Dialética, 2008), ao examinar os elementos que concorrem para a avaliação dos graus de invalidade dirigidos aos procedimentos licitatórios, também menciona a necessidade de aferir a incidência de lesão de valor ou interesse jurídico e de aplicar o princípio da proporcionalidade:
“(…) não se admite que a invalidade resulte da mera discordância entre o ato concreto e um modelo jurídico. É imperioso agregar um componente axiológico ou finalista. A nulidade evidencia-se como um defeito complexo, em que se soma a discordância formal e a infração aos valores de que dela derivam. Então, a discordância é a causa geradora desse efeito, consistente no sacrifício de valores jurídicos. Sem a consumação do efeito (lesão a um interesse protegido juridicamente) não se configura invalidade jurídica.” (pág. 620)
“Como se sabe, o princípio da proporcionalidade não apresenta um conteúdo específico e determinado. Não se trata da afirmação de um valor jurídico, mas da realização harmônica dos diversos valores tutelados pela ordem jurídica. O princípio da proporcionalidade exterioriza-se, na concepção tradicional, em três aspectos (…). Há o ângulo da adequação, em que a proporcionalidade significa a vedação à adoção de providências não aptas a tutelar o valor buscado. Há o tópico da necessidade, que exclui medidas que superem ao mínimo necessário à realização do interesse examinado. E existe o aspecto da proporcionalidade em sentido estrito, pelo qual se proíbem medidas incompatíveis com o sistema constitucional. (…)
(…) a invalidação seria admissível somente como solução indispensável para a realização dos valores jurídicos. Ou seja, não se cogitaria de invalidade se tal fosse providência inadequada a gerar, sobre o prisma de causa e efeito, a proteção aos interesses e valores protegidos pelo Direito.” (págs. 622/623).
Portanto, uma vez que as decisões nos certames licitatórios situam-se no campo de atos administrativos sujeitos à autotutela da comissão de licitação ou da autoridade superior que a designou (Súmula STF n.º 473), elas se submetem ao controle pelo sistema de invalidades, tanto com efeitos de nulidade integral da licitação (atos nulos) quanto de anulabilidade de atos intermediários (atos anuláveis), nesse caso com aproveitamento parcial do conjunto dos procedimentos considerados regulares.
Entretanto, ponderamos ressalvas ao alcance da competência da comissão de licitação para decidir sobre o refazimento de determinados procedimentos e a continuidade da licitação.
A nosso ver, nos termos dos arts. 6º, inciso XVI, e 51 da Lei n.º 8.666/93, a comissão de licitação constitui-se em instância responsável por “receber, examinar e julgar todos os documentos e procedimentos relativos às licitações e ao cadastramento de licitantes”, decorrendo daí seus poderes de avaliar a regularidade dos atos de terceiros e daqueles que ela própria pratica (fase externa). Isso significa dizer que, embora a comissão de licitação possa decidir sobre questões que causem prejuízo parcial ou total ao certame licitatório (nulidade ou anulabilidade), sua competência está limitada a esse poder de declarar a regularidade ou não de seus atos, não alcançando o nível deliberativo da instituição administrativa (Administração) no sentido de renovar alguma fase ou toda a licitação, qualquer que seja a etapa dos procedimentos.
De fato, a licitação se inicia com a abertura de processo administrativo sob autorização do agente público que designa a comissão de licitação para atuar em certame específico ou por períodos determinados (arts. 38, caput e inciso III, e 51, § 3º, da Lei n.º 8.666/93). Por sua vez, referida abertura de processo é precedida por um conjunto de decisões discricionárias que envolvem a política de gerenciamento da Administração (fase interna), em especial a captação e alocação de recursos financeiros, o tipo de objeto a ser desenvolvido e o cronograma de execução, entre outros fatores. Assim, vícios que são identificados no decurso das providências a cargo da comissão de licitação e que possam prejudicar fases inteiras ou a licitação toda, invariavelmente implicam por decidir a continuidade do certame, com aproveitamento dos atos regulares e renovação dos procedimentos viciados, ou a reabertura de outro processo, ações que nos afiguram, paralelamente aos aspectos jurídicos envolvidos, vinculadas a objetivos institucionais, extrapolando a fase externa da licitação.
Em suma, considerando que os interesses maiores da Administração são delineados na instância gerencial da autoridade superior, não caberia à comissão de licitação, em virtude dos atos específicos de que se encarrega (fase externa), decidir sobre matéria que afete, mesmo indiretamente, a gerência das atividades da instituição (fase interna).
Em tais hipóteses de vícios relevantes, entendemos que a incumbência da comissão de licitação se esgotaria por declarar a incidência dos atos nulos ou anuláveis, bem como de suas repercussões no caso concreto, submetendo a partir daí a matéria, a título de proposta de decisão, à autoridade superior para que delibere por refazer fases do certame ou, então, por anular toda a licitação e instaurar novo processo administrativo. Noutras palavras, a comissão de licitação pode declarar a nulidade dos próprios atos, mas cabe à autoridade superior decidir entre a continuidade do certame ou a abertura de outro. Corrobora essa linha de raciocínio a disciplina estabelecida no art. 43, § 3º, da Lei n.º 8.666/93 para controle dos atos da licitação também pela autoridade superior em qualquer fase da licitação, vale dizer, a qualquer tempo, independentemente da existência de impugnações e recursos ou antes mesmo da fase de homologação e adjudicação.
Ainda a propósito do mesmo entendimento, Marçal Justen Filho, na obra citada, faz os seguintes comentários a respeito da ausência de competência da comissão de licitação para decidir na situação particular do art. 48, § 3º, da Lei n.º 8.666/93 – possibilidade de apresentação pelos licitantes de nova documentação ou de outras propostas, no caso de todos os licitantes serem inabilitados ou todas as propostas serem desclassificadas (grifos nossos):
“Tem integral razão Jessé Torres Pereira Júnior [Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública. 7.ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, págs. 494/497], ao preconizar que a competência para determinar a aplicação do disposto no § 3º não é da comissão de licitação. A autoridade superior é quem disporá de poderes para tanto, eis que a situação equivale a caso de dispensa de licitação. Mais precisamente, a decisão de não iniciar nova licitação escapa aos poderes da comissão. Nada impediria, porém, delegação de competência por parte da autoridade superior.” (pág. 612)
Diante do exposto, não se observam óbices para que a comissão de licitação no decorrer do procedimento, se possuir delegação de competência da autoridade superior, anule o certame. Inexistindo delegação de competência, caberá à comissão de licitação declarar a invalidade dos atos eivados de vício e, em seguida, submeter proposta à prévia decisão da autoridade superior quanto à invalidade certame.
A pacífica doutrina do Direito Administrativo, o princípio da autotutela e a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal asseguram à Administração anular seus próprios atos, quando ilegais, demonstrada a nulidade com que foram praticados.
No relatório precedente, vimos que Maria Sylvia Zanella Di Pietro admite a possibilidade de anulação parcial de um determinado ato ou fase do procedimento licitatório, a ser praticada pela comissão de licitação, mas somente antes do encerramento da fase a ser anulada e do início da fase subsequentes. No entender de Lucas Rocha Furtado e José dos Santos Carvalho Filho, a autoridade responsável pela homologação pode anular o ato viciado e restituir o procedimento à comissão de licitação, para que o refaça. Admitem, portanto, a anulação parcial pela autoridade no momento da homologação, assim como Hely Lopes Meirelles, que também admite a anulação pela comissão de licitação, por ilegalidade em procedimento, em qualquer fase e a qualquer tempo, antes da assinatura do contrato. Segundo Diogenes Gasparini, a comissão de licitação pode anular o ato ou fase viciada e os atos e fases subsequentes, em qualquer fase do procedimento, enquanto a autoridade responsável pela homologação tem competência para anular a totalidade do certame no momento da homologação.
Apesar de alguns pontos divergentes na doutrina, todos os autores citados admitem, de uma forma ou de outra, a anulação de um certame licitatório e o consequente refazimento de atos viciados. Por óbvio, caso o vício atinja todos os atos constantes da licitação, necessária se faz a anulação completa, pois não haverá atos regulares aproveitáveis. Esse posicionamento reflete o pensamento que o TCU vem adotando ao julgar casos concretos envolvendo os efeitos decorrentes de atos viciados identificados durante a condução de certames licitatórios, e mesmo após a sua conclusão. Para reforçar essa afirmação, dois acórdãos, que tratam de irregularidades detectadas na fase de habilitação de licitantes, objeto específico de atenção do consulente, pelos quais este Plenário permite a continuação dos respectivos certames após sanados os vícios detectados e todos os demais atos deles decorrentes:
Acórdão nº 294/2008-TCU-Plenário (sessão de 27/2/2008):
“(…)
9.3. determinar ao Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia – Censipam que:
9.3.1. adote, com fundamento nos arts. 71, IX, da Constituição Federal e 45, da Lei 8.443/92, c/c o art. 251, do Regimento Interno/TCU, no prazo de quinze dias, as providências necessárias à anulação do ato que inabilitou a empresa PPA Comercial Climática Engenharia Ltda. do Pregão Eletrônico 24/2007, bem como dos demais atos dele decorrentes;
9.3.2. após cumprir a determinação contida no subitem 9.3.1. acima, caso julgue conveniente e oportuno, dê continuidade aos procedimentos atinentes ao Pregão 24/2007, nas mesmas condições em que o certame se encontrava antes da desclassificação da empresa PPA Comercial Climática Engenharia Ltda.;
(…)”
Acórdão nº 1046/2008-TCU-Plenário (sessão de 4/6/2008):
“(…)
9.2. com fundamento no inciso IX do art. 71 da Constituição Federal e no art. 45, caput, da Lei n.º 8.443/1992 c/c o art. 251 do Regimento Interno do TCU, fixar o prazo de 15 (quinze) dias para que o Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região:
9.2.1. torne sem efeito a desclassificação das empresas Hizzo Serviços Administrativos Ltda., Fênix Serviços e Comércio Ltda., Sepon Distribuidora Ltda.-ME, Jaks Serviços Comércio e Representação Ltda., Novo Tempo Comércio e Serviços Ltda., M. da S. Ferreira – Serviços e San Serviços Comércio e Representação Ltda.;
9.2.2. anule a adjudicação do objeto à Geração Serviços e Comércio Ltda.;
9.2.3. adote os procedimentos indicados nos incisos VI a XV do art. 11 do Decreto n.º 3.555/2000, com vistas a dar seguimento ao certame;
(…)”
Seguindo a jurisprudência do TCU, é imperiosa a anulação, pela autoridade competente para a homologação, por vício de ato ou fase da licitação, desde que não afete a totalidade do certame. Como é o caso de total ilegalidade a licitação em comento, deve-se anular todos os atos e realizar novo processo.
Como a anulação ocorrerá posteriormente à assinatura do contrato, este deverá ser anulado, visto que a nulidade da licitação induz à nulidade do contrato, nos termos do art. 49, § 2º, da Lei nº 8.666/93, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa dos interessados, de acordo com o § 3º do citado artigo. Deve ser observada, também, a necessidade de se indenizar o contratado, cuja avença foi anulada, pelo que houver executado e demais prejuízos que não lhe sejam imputáveis, como preceitua o art. 59 da referida lei;
Inexistindo delegação de competência, caberá à comissão de licitação declarar a invalidade dos atos eivados de vício e submeter à prévia decisão da autoridade superior proposta quanto à invalidade do certame.
FATOS QUE JUSTIFICAM A NULIDADE DA CONCORRÊNCIA 10/2016
- Tipo Técnica e Preço – não se trata de serviços de predominância intelectual – subjetividade no julgamento (fato admitido pela comissão em depoimento ao Ministério Público) – o caput do art. 46, da lei 8.666/93 estabelece que licitações do tipo TÉCNICA E PREÇO serão utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual.
- Capital Social mínimo exagerado – restrição de participação do mercado;
- Preços acima dos praticados pelo mercado – ver valores pagos na cidade de Toledo;
- Atribuição de nota 10 para empresa OT por comprovação de acervo da operação da unidade de produção de Gás – não está operando, portanto a prefeitura não poderia emitir atestado de acervo para um serviço sem operação – esta nota deu a vitória para a OT;
- Aglutinação, em lote único, de serviços distintos que poderiam ser executados de forma fracionada, somada à vedação de formação de consórcio;
- Não foi previsto qualquer exigência quanto aos orgânicos, exigência da Resolução 090/2013 – que proíbe a destinação de fração orgânica em aterro, a partir de 2014;
- Ausência de exigência na qualificação das empresas licitantes quanto a Licenciamento ambiental;
Diante disto, o VIGILANTES DA GESTÃO recomenda mais uma vez:
- A nulidade do processo licitatório e de todos os atos advindos do mesmo por ilegalidade, com base no art. 49 de Lei Geral de Licitações (8.666/93);
- Abertura de novo processo licitatório conforme determina a Lei;
- Encaminhamento da decisão ao Vigilantes da Gestão dentro do prazo legal.
Curitiba, 21 de janeiro de 2017.
Sir Carvalho
Presidente
41 9917 8040
*Cópia ao Ministério Público do Estado do Paraná, comarca de Cascavel para ciência e acompanhamento.
Relembre os fatos – No dia 25 o Vigilantes da Gestão emitiu recomendação ao prefeito EDGAR BUENO (PDT), para que o edital fosse suspenso e corrigido no prazo da Lei. Para o Vigilantes da Gestão “o edital é nulo, já que a licitação foi feita na modalidade concorrência, com o tipo técnica e preço. Porém, o objeto licitado não se reveste de características especiais a ensejar a valoração subjetiva de propostas, na medida em que o próprio edital de licitação já prevê, com minúcias, os serviços a serem executados”.
Ainda apontou na recomendação que o edital continha outras falhas, tais como a ausência de critérios objetivos para a pontuação das propostas; aglutinação, em lote único, de serviços distintos que poderiam ser executados de forma fracionada, somada à vedação de formação de consórcio; Vício de publicidade, já que exigia a realização de visita técnica em prazo não compatível com o mínimo estabelecido na lei 8.666/93. Ausência de exigência na qualificação das empresas licitantes quanto a Licenciamento ambiental; Não foi previsto qualquer exigência quanto aos orgânicos, exigência da Resolução 090/2013 – que proíbe, no Paraná, a destinação de fração orgânica em aterro, a partir de 2014.
Segundo o artigo 46, da lei 8.666/93 estabelece que licitações do tipo técnica e preço serão utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual. De forma excepcional, o § 3º desse art. faculta que a autoridade máxima da pessoa jurídica promotora do certame autorize a adoção do tipo técnica e preço “para fornecimento de bens e execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto majoritariamente dependentes de tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio restrito, atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação, nos casos em que o objeto pretendido admitir soluções alternativas e variações de execução, com repercussões significativas sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade concretamente mensuráveis, e estas puderem ser adotadas à livre escolha dos licitantes, na conformidade dos critérios objetivamente fixados no ato convocatório.
Essa exceção pressupõe que o serviço a ser executado seja de grande vulto, que dependa de tecnologia sofisticada e de domínio restrito, e que o objeto admita soluções alternativas e variações de execução. Embora se trate de serviços de vulto, o fato é que a execução dos serviços de coleta de resíduos sólidos, varrição de ruas e operação do aterro sanitário não requerem tecnologia sofisticada e de domínio restrito.
No entendimento do Vigilantes da Gestão, não há como explicar que haja sofisticação da técnica para varrer ruas, arrecadar sacos de lixo ou manobrar tratores do aterro sanitário. Além disso, a própria estrutura do edital de licitação já contempla quais os serviços devem concretamente ser realizados.
No tocante ao aterro e sua operação, qualquer empresa terá que seguir o que determina a licença de instalação do aterro sanitário concedida pelo Instituto Ambiental do Paraná detalha as técnicas de operação do empreendimento. Na licitação consta a aprovação a projeto executivo apresentado pelo Município de Cascavel, o qual deverá ser fielmente executado. Ou seja, não há espaço para metodologias distintas, pois a licença ambiental já definiu todas as condições para instalação e manejo do aterro sanitário.
Alertou o prefeito de havia sério risco de restrição da participação de empresas o que pode encarecer o serviço e prejudicar toda a população de Cascavel. Como o prefeito não acatou a recomendação emitida pelo Vigilantes da Gestão, foi encaminhado Notícia de Fatos ao Ministério Público do Paraná para as providencias cabíveis e legais.
A prefeitura refutou todas as argumentações técnicas do Vigilantes da Gestão, também de outras entidades interessadas e empresas. Uma das empresas também entrou com medida judicial que culminou com a decisão judicial na sexta (19/08). Há suspeita de cartel no caso, segundo gravações que estão no Ministério Público, onde representante de uma empresa diz que a “casa está ocupada”.
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 8. ed. São Paulo: Dialética, 2000, p. 383 e 384.
[2] Ob. cit., p. 384.
[3] Ob. cit., p. 435 e 436.
[4] Ob. cit., p. 435 e 436
[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30. ed., atual. / por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 206.
[6] TCU. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Licitações e Contratos: Orientações Básicas. 3. ed., ver. Atual. E ampl. Brasília: TCU, Secretaria de Controle Interno, 2006, p. 187.
[7] Ob. cit., p. 183.
[8] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 359.
[9] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos: teoria, prática e jurisprudência. São Paulo : Atlas, 2001, p. 190.
[10] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 235 e 237
[11] Ob. cit., p. 305 e 309.
[12] GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 10. ed., rev. e atual. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 558 e 559.