irlandaHá uma ideia que, sem distinções, une todos os políticos em aversão a ela: uma redução dos gastos públicos.

O exemplo prático da Irlanda, no entanto, deveria ao menos fazer essas pessoas refletirem um pouco mais.

O problema com os gastos do governo

Em qualquer debate sobre economia, quando alguém propõe reduzir o déficit orçamentário do governo por meio do corte de gastos, a reação dos interlocutores sempre é de espanto, alarme e até mesmo de raiva.

A adoração pelos gastos do governo não é patrimônio exclusivo da esquerda.  Todos os governos, independentemente de suas ideologias, raramente fazem um ajuste do setor público; eles preferem impor todo o ajuste ao setor privado, elevando impostos.

Os infindáveis debates sobre “austeridade”, aliás, parecem ignorar esse conceito básico: quando um governo tenta combater seu déficit fiscal por meio do aumento de impostos — e não por meio de um corte de gastos —, isso não é austeridade para o governo.  Desde quando você elevar suas receitas é “austeridade”?

Quando se fala em “austeridade”, o que se está dizendo, na prática, é que toda a austeridade ficará por conta do setor privado, o qual, este sim, terá de reduzir seus investimentos e fazer demissões, apenas para continuar sustentando o déficit do setor público, o qual é sagrado.

Uma real austeridade para o governo ocorre tão-somente quando este corta gastos sem elevar impostos.

Mas por que a adoração pelos gastos do governo?

Pela perspectiva keynesiana — que é a ideologia dominante —, os gastos do governo estimulam a “demanda agregada”.  E, sempre de acordo com este modelo, quando se estimula a “demanda agregada” está-se impulsionando a prosperidade do país.  Sendo assim, mais gastos do governo geram maior demanda, e maior demanda gera mais produção, mais emprego e mais riqueza.

No entanto, não é necessário um grande domínio da ciência econômica para perceber que essa ideia é totalmente ilógica.  Em qualquer situação, viver dentro de seus meios e de suas possibilidades, gastando menos que ou igual ao que se recebe, é um imperativo econômico.  Gastar mais do que se recebe implica se endividar continuamente.  E endividar-se continuamente gera inevitavelmente a falência do endividado, uma vez que a dívida, ao se tornar cada vez maior, faz com que seus juros sejam impagáveis.

A esse respeito, Adam Smith escreveu que “aquilo que é sensato dentro de uma família não pode ser uma estultícia quando aplicado a um grande reino”.

A diferença dos governos para as famílias é que suas receitas são auferidas de maneira coercitiva, sendo confiscada de todos aqueles trabalhadores assalariados e empreendedores que atuam no setor produtivo da economia.

Neste sentido, um aumento dos gastos do governo significa, de maneira muito simples, que o governo ou aumentará os impostos para fazer frente a esses novos gastos ou irá se endividar ainda mais — o que significa que, dado que o governo está tomando mais crédito, sobrará menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos.

Há uma terceira hipótese, que seria a simples criação de dinheiro pelo Banco Central para financiar diretamente o governo.  Sempre que essa medida foi utilizada — como no Brasil da década de 1980 —, o resultado foi a hiperinflação.

Portanto, tendo em mente que o governo só pode gastar aquilo que ele antes confiscou de alguém, a ideia de que gastos do governo estimulam a “demanda agregada” e geram crescimento econômico equivale a dizer que tomar dinheiro de uns para gastar com outros pode enriquecer a todos.  Para se utilizar uma metáfora, tal ideia significa dizer que tirar água da parte funda da piscina e jogá-la na parte rasa fará o nível geral de água na piscina aumentar.

Consequentemente, os gastos do governo não apenas não podem “estimular a demanda”, como também geram uma maior carga tributária, um maior endividamento do governo e uma maior inflação.  No mínimo, irão gerar mais incertezas: se o governo está gastando mais do que recebe e está se endividando continuamente, então essa dívida terá de ser futuramente quitada com mais impostos.  Essa mera possibilidade de aumentos de impostos futuros já serve para inibir investimentos produtivos.  Como investir quando não se sabe como serão os impostos no futuro?

No mais, há outros efeitos importantes: uma redução dos gastos do governo tem o efeito de reduzir o peso da burocracia estatal.  E isso, por sua vez, leva a um aumento da participação do setor privado na economia.  Com menos burocracia e com menos regulamentações onerosas, há uma maior facilidade para o empreendedorismo e, consequentemente, para a geração de riqueza.

Por outro lado, um aumento de impostos consolida a hipertrofia da burocracia estatal, das regulamentações, e das atividades não-produtivas e sugadoras de recursos escassos.  Tudo isso à custa do achaque daquela fatia da sociedade civil que trabalha e produz.

Não há, portanto, como ver um aumento dos gastos do governo, e seus subseqüentes déficits orçamentários, como algo benéfico.

O exemplo irlandês

A prática mostra que o mundo real não apenas não respeita as teorias keynesianas, como ainda confirma a sólida teoria econômica: a austeridade estatal — atenção: a austeridade imposta ao estado, e não ao setor privado — gera crescimento econômico.

Nos últimos dois anos, a economia da Irlanda — que foi gravemente afetada pela crise financeira de 2008, comforte queda na produção industrial e acentuado aumento no desemprego — cresceu nada menos que 13,4% (5,2% em 2014 e 7,8% em 2015).

Neste mesmo período, a economia espanhola, outro país igualmente afetado pela crise financeira, cresceu apenas 4,5% (três vezes menos).

A economia irlandesa é hoje a que mais cresce em toda a Europa.

Entre os fatores que mais contribuíram para este forte crescimento está, obviamente, os investimentos, que avançaram 28,2%.  Também digno de nota foi o crescimento das exportações, que saltaram 13,8% — e sem qualquer manipulação da taxa de câmbio, pois, como se sabe, a Irlanda faz parte da zona do Euro, e seu governo não tem qualquer controle sobre a taxa de câmbio da moeda.

O caso irlandês é extremamente interessante.  No ano de 2010, o país vinha de dois anos de recessão profunda.  O desemprego chegou a 15% e o déficit fiscal do governo alcançou a astronômica cifra de 32,3% do PIB, causado majoritariamente pelo resgate do seu sistema bancário.

O governo, então, começou a cortar gastos.  E os cortes foram em termos nominais, o que significa que a cada ano o governo literalmente gastava menos do que havia gastado no ano anterior.

grafico 1Gráfico 1: evolução dos gastos nominais do governo da Irlanda

No ano seguinte, em 2011, trocaram o primeiro-ministro, assumindo o cargo o líder do partido Fine Gael, um partido identificado com a contenção fiscal, com uma menor intervenção do estado na economia e com políticas mais pró-mercado.  Imerso em um programa de resgate com fundos emprestados pelo FMI e pela União Europeia, o novo governo colocou como objetivo principal equilibrar seu orçamento.

Em 2011, o gasto público já havia sido reduzido em nada menos que 20 pontos percentuais em relação ao PIB, o que reduziu o desequilíbrio orçamentário na mesma proporção.  A partir daí, a trajetória se manteve.  Os gastos do governo em relação ao PIB voltaram a cair mais 11,6 pontos percentuais entre 2011 e 2015, chegando a 33,9% do PIB ao final de 2015, um nível muito inferior à média européia.

grafico 2Gráfico 2: evolução dos gastos do governo em relação ao PIB (linha preta, coluna da esquerda); crescimento econômico (barras azuis, coluna da direita)

A evolução do déficit nominal do governo explica essa queda: após ter alcançado os já citados 32,4% do PIB em 2010, a cifra voltou para 1,8% do PIB em 2015.

grafico 3Gráfico 3: evolução do déficit nominal do governo irlandês em relação ao PIB

Em paralelo a toda esta contundente política de austeridade do governo — de novo: a austeridade foi aplicada no governo, e não jogada sobre o setor privado —, a economia não apenas não entrou em colapso, como ainda se tornou uma das mais vibrantes e de mais rápida recuperação de toda a zona do euro.  O desemprego, que chegou a 15% em 2011 e 2012, caiu de maneira considerável nos anos seguintes, estando hoje em 8,8%, e com tendência de queda.

Adicionalmente, o PIB per capita — que é a métrica que realmente importa — está hoje em níveis superiores aos de antes da crise financeira, superando os 43 mil euros anuais.  Obviamente, a inflação de preços no país é inexistente.

Finalmente, o fato de o imposto de renda de pessoa jurídica ser um dos menores do mundo — alíquota máxima de 12,5%, contra 34% no Brasil —, e o fato de o governo, contra todas as exigências dos órgãos internacionais, ter se recusado a elevá-lo, apenas ajudaram a solidificar o clima pró-empreendedorismo do país.

Embora estes resultados possam surpreender a muitos, não há mistério nenhum.  A redução dos gastos e, consequentemente, dos déficits orçamentários do governo, em conjunto com a manutenção de uma baixa carga tributária sobre os empreendimentos, permitiram à Irlanda criar um clima atrativo aos investimentos.  Ainda mais importante: ajudaram a garantir que tudo continuará assim — sem surpresas — no futuro.  Ao reduzir seus gastos, seus déficits e seu endividamento, e ao não aumentar os impostos, o governo, pelos motivos explicados no início do artigo, reduziu o nível de incertezas em toda a economia, estimulando os investimentos.

Conclusão

Aqueles que se posicionam contra todo e qualquer corte de gastos do governo deveriam, ao menos, estudar o caso da Irlanda.  O crescimento econômico, a redução do desemprego e o aumento da riqueza não apenas são totalmente compatíveis com a redução do gasto público, como também são mais facilmente possibilitados por este.

Por tudo isso, todo e qualquer déficit orçamentário do governo tem de ser combatido com cortes de gastos, e não com aumentos de impostos.

Se o objetivo é viver em um país dinâmico, não fagocitado pela burocracia e pelos impostos, com níveis toleráveis de endividamento e onde os cidadãos não padeçam dos excessos e esbanjamentos de sua classe política, então é necessário fazer intensa pressão pelo corte de gastos, e jamais tolerar idéias de aumento — ou de criação — de impostos.

No Brasil, por exemplo, a extinção dos super-salários dos sultões do setor público já seria um bom começo. Os 39 ministérios de Dilma que custam mais de R$ 400 bilhões por ano e que empregam 113 mil apadrinhados, e cujos salários consomem R$ 214 bilhões, também são um alvo apetitoso.

Juan Ramón Rallo é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.

Iván Carrino é analista econômico da Fundación Libertad y Progreso na Argentina e possui mestrado em Economia Austríaca pela Universidad Rey Juan Carlos, de Madri.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

Fonte: Von Mises

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