Elas recebem milhões do poder público. Não pagam impostos, e algumas não têm sequer funcionários. Formaram no interior do Paraná o que o TCE (Tribunal de Contas do Estado) classificou de “indústria de ONGs”, que assumem tarefas de prefeituras e atuam de forma fraudulenta.
Nos últimos três anos, organizações sem fins lucrativos movimentaram ao menos R$ 400 milhões em contratos com prefeituras do Estado. O TCE ordenou que 12 delas devolvam R$ 82 milhões e aplicou R$ 7 milhões em multas. “É um filão. O dinheiro escoou diretamente para o bolso de alguém”, diz o presidente do TCE, Ivan Bonilha.
Na prática, as Oscips (organizações de interesse público) administram hospitais, contratam médicos e assistentes sociais, fazem a limpeza das ruas e cuidam de campanhas contra a dengue.
Tudo é feito sem licitação, por termos de parceria, que são previstos em lei.
“O modelo é constitucional, isso foi resolvido pelo STF [Supremo Tribunal Federal]”, diz o advogado e consultor em terceiro setor Fernando Mânica. “O problema é que há uma lacuna legislativa, que abre caminho para a apropriação indevida por pessoas mal-intencionadas.”
Entre as 12 Oscips condenadas pelo TCE, em pelo menos um caso, do Instituto Confiancce, auditores identificaram a subcontratação de empresas fantasmas, que ficavam no meio de um matagal ou em endereços fictícios. O Insituto Confiance é de propriedade da esposa do ex-presidente da TCE, conselheiro Fernando Guimarães.
Em outros casos, há vínculos políticos entre as organizações e gestores públicos.
Em São Miguel do Iguaçu, o Instituto Confiancce subcontratou, em 2010, a empresa de um vereador, Marquinhos Murbak (SD), para a limpeza das ruas da cidade. O prefeito à época, Armando Polita (PMDB), orientava como e quando seriam feitos os pagamentos. Eles negam irregularidades.
Em Corbélia, a fundação da Indecorb foi prestigiada pelo então prefeito Eliezer Fontana (PP) –que, em seguida, firmou com a ONG parceria de R$ 5,8 milhões nas áreas de saúde e assistência social. “Fica evidente que ela foi criada para atender os interesses da administração municipal”, escreveram os auditores. O ex-prefeito, que deve recorrer, nega e diz que a prestação de serviços foi comprovada.
O TCE diz que encaminhou ao Ministério da Justiça pedido para que oito Oscips tenham sua certificação cancelada –o que, atualmente, as isenta de impostos. A lista inclui organizações que foram multadas pelo órgão 18 anos atrás. Pelo menos seis delas já foram acionadas na Justiça estadual.
FISCALIZAÇÃO CRITICADA
Críticos questionam a efetividade das medidas do Tribunal de Contas do Paraná. Dizem que a atuação do órgão é tardia (a maioria das parcerias ocorreu há cinco anos) e que dificilmente o dinheiro será devolvido. Até agora, dos R$ 82 milhões desaprovados, só 30% voltaram às prefeituras. “É preciso oferecer o contraditório [direito à defesa]. Talvez seja de se repensar essa burocracia”, diz o presidente do TCE, Ivan Bonilha.
Também há divergências quanto à interpretação do tribunal sobre a devolução integral do dinheiro e a terceirização ilegal de mão de obra. Os ex-prefeitos e entidades, que negam irregularidades, argumentam que o serviço foi prestado e que o modelo é permitido por lei.
“[A entidade] executou suas atividades, pagou seus funcionários, cumpriu com seu papel”, diz nota do Instituto Confiancce. “Entre o formalismo e o bem-estar da população, os prefeitos estão certos em priorizar o último.”
Denuncias levadas ao Ministério Público anteciparam processos
Denuncias partiram de diversas cidades e provocaram a atuação do Ministério Público do Paraná, forçando que o TCE viesse a julgar e condenar as instituições. Tradicionalmente as prefeituras e estas organizações contam com o silêncio do órgão de contas do Estado. “o julgamento tardio indica que se não houvesse diversos inquéritos abertos pelo MP, nada seria feito pelo Tribunal” diz um voluntário que pediu para não ser identificado.
Folha de Londrina noticiou envolvimento da esposa do presidente do TCE à época
“A mulher do presidente do Tribunal de Contas (TC) do Paraná, Fernando Guimarães – diz a Folha -pode ter participação num suposto desvio de recursos públicos através do Instituto Confiancce, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) com sede em Curitiba e que presta serviços, principalmente na área da Saúde, para dezenas de prefeituras paranaenses desde 2005.
Keli Cristina de Souza Gali, mulher de Fernando Guimarães e sobrinha da ex-presidente e atual responsável técnica da Confiancce, Claudia Aparecida Gali, recebeu verbas provenientes de contratos firmados entre a Oscip e prefeituras de municípios do Paraná através de uma microempresa de Curitiba, e que leva seu nome. Duas outras empresas que receberam recursos da entidade também pertencem a membros da família Gali, incluindo a própria Claudia”.
Outras denuncias pesam sobre membros do Tribunal de Contas do Paraná
O coordenador-geral do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), Luiz Bernardo Dias Costa, recebia R$ 200 mil no momento em que foi preso no dia 18 de junho de 2014, por uma equipe do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Estadual. O dinheiro era entregue por Edenilso Rossi, ligado à construtora Sial Engenharia e Construção, que também foi preso. O dinheiro, segundo informações apuradas pela reportagem da RPC TV, era propina por fraude em licitação.
A Sial Engenharia e Construção foi a vencedora da licitação, que escolheu a empresa responsável pela construção de um prédio anexo ao Tribunal de Contas. A obra foi orçada em R$ 33 milhões e ainda não começou. A empresa já fez diversas obras públicas, inclusive, a recente reforma da rodoferroviária de Curitiba. Além das prisões, o Gaeco também realizou buscas e apreensões na sede do TCE-PR. Documentos e computadores foram levados pelos policiais.
Em nota, o Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR) informou que o Gaeco prendeu Luiz Bernardo Dias Costa em flagrante e que cumpriu outros cinco mandados de prisão temporária durante operação, que investiga irregularidades na licitação da construção do anexo do Tribunal de Contas. De acordo com o MP-PR, além do diretor, foram detidas pessoas ligadas a uma empresa do ramo de construção civil. Também foram cumpridos onze mandados de busca e apreensão na empresa, no TCE-PR e em casas de pessoas investigadas.
Na época foram cumpridos cinco mandados de conduções coercitivas (quando a pessoa é levada à presença de autoridade policial ou judiciária) de funcionários do TCE-PR, para serem ouvidos no Gaeco a respeito dos fatos, conforme o MP-PR.
O ex-presidente do Tribunal de Contas do Paraná (TC), Artagão de Mattos Leão, que sucedeu Fernando Guimarães, virou suspeito de envolvimento ou de pelo menos ter tido conhecimento do suposto esquema de fraude na licitação do prédio anexo do órgão durante a investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Mattos Leão aparece em uma das interceptações telefônicas conversando com um dos suspeitos que foi preso temporariamente.
Devido à prerrogativa de foro privilegiado, as suspeitas que recaíram sobre o presidente do TCE foram desmembradas da investigação do Gaeco, braço do Ministério Público (MP), e remetidas em um pedido de apuração ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Durante sessão do Tribunal Pleno do TCE, o então presidente do órgão já havia adiantado que teria conversado sobre valores propostos para a obra com “associações e empreiteiros” durante o processo da licitação. “Quantos me procuraram? Qual é o preço? 40 [em referência ao preço máximo fixado no edital, de R$ 40.831.378,80]. Mas, você, com 40, não ganha. Tem que haver diferença de 10%, 6%, tem que fazer uma diferença, senão não ganha”, afirmou. Depois, o presidente disse que as conversas poderiam ter sido gravadas. “Tudo se grava, né? Hoje em dia, tudo se grava.”
Fonte: WEB e redação