N. do E.: um dos principais motivos da queda do governo Dilma foi a desorganização das contas do governo. As consequências do descalabro fiscal foram recessão, inflação alta, desemprego e desindustrialização.
O atual governo havia prometido um maior compromisso com o equilíbrio orçamentário. A nomeação de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda seria uma indicação de maior rigidez nessa área.
Duas semanas depois, o que se vê é apenas uma continuação do governo Dilma, com lamentáveis recaídas ao populismo.
Os reajustes salariais dos funcionários públicos, aprovados pela Câmara dos Deputados, foram um tapa na cara dos mais de 11 milhões de desempregados que, além de não terem salários, terão de pagar ainda mais impostos para bancar os marajás. Após um aumento explosivo no número de falências, os empreendedores que ainda conseguem se manter no mercado, mas que mal estão conseguindo pagar suas contas, ainda serão obrigados a bancar essa humilhação.
A farra com o dinheiro público permitida pelo atual governo é coisa para Lula nenhum botar defeito. A brincadeira custará R$ 58 bilhões nos próximos quatro anos.
Se estivessem realmente comprometidos com equilíbrio fiscal, Temer e Meirelles teriam de ser os primeiros a gritar contra essa aberração. No entanto, ambos deram consentimento ao descalabro. E voltam a falar em CPMF, com cada vez mais frequência.
Ao mesmo tempo em que fazem esbórnia com o dinheiro que tomam de impostos, políticos e burocratas insistem em dizer que o grande problema do Brasil são os aposentados da iniciativa privada, que ganham R$ 880 por mês.
Eis a democracia em ação: o governo — qualquer governo — sempre está interessado apenas em obter o apoio de poderosos grupos interesse, e faz isso adotando medidas populistas que sempre geram tragédias no futuro.
O artigo a seguir ilustra as consequências que os privilégios dados ao setor público geram na mentalidade do país.
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Vejam esta lista. Nela encontram-se divididos os vencedores dos prêmios Nobel por país. Os Estados Unidos lideram com 355. O Reino Unido tem 120. A Alemanha, 105. A França, 67.
Chile, Colômbia, Peru, Guatemala, México e até mesmo Venezuela também têm ganhadores.
Nossos vizinhos argentinos já somaram cinco.
Até a Islândia, com uma população menor do que Piracicaba, já arrematou um Nobel.
Já o Brasil não tem nenhum. Zero. Conjunto vazio.
As razões para a irrelevância brasileira nas ciências são muitas e de difícil medição, mas há uma tendência que nos mantém em ponto morto: o fato de que “os empregos estatais transformaram-se em objeto de cobiça dos melhores cérebros do País”.
A frase não é minha. Aparece em uma reportagem ainda de 2010 da revista Isto É, que comemora o fato de muitos dos brasileiros mais capazes intelectualmente não estarem na academia nem liderando o empreendedorismo, mas dentro de uma repartição pública.
A drenagem dos cérebros pela máquina pública só tende a piorar. De acordo com a revista:
Ao todo, entre abertas, temporárias e programadas, são quase 400 mil vagas de emprego no serviço público, com salários iniciais variando entre o mínimo e os desejados R$ 20,9 mil oferecidos a juízes substitutos dos Tribunais Regionais do Trabalho. “Hoje em dia, em média, um servidor público federal ganha o dobro dos seus congêneres na iniciativa privada”, diz o professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo, José Pastore, deixando claro por que os concursos públicos têm atraído tantos candidatos. “Nos últimos oito anos os salários públicos da União tiveram um aumento real de 75%, enquanto os do setor privado, de apenas 9%.”
Isso foi em 2010. De lá para cá, tudo piorou.
Esta matéria da Revista Exame, de setembro de 2015, sintetiza a situação:
Salários gordos e cargos vitalícios, o doce serviço público
[…] como o desemprego está aumentando e o Brasil está caminhando para a pior queda desde a Grande Depressão […] conseguir um emprego público é como ganhar na loteria.
Ele vem com um salário desproporcional, estabilidade vitalícia e benefícios que podem incluir motoristas e voos gratuitos.
“O setor público oferece estabilidade: você passa no concurso e tem um emprego para o resto da vida”, disse Guilherme Alves, 21, que estava estudando o entorpecedor juridiquês em Brasília em um das centenas de cursinhos dedicados a preparar alunos para passar em um concurso estatal. “É ótimo”.
O salário médio dos secretários no governo central do Brasil é 49% maior, em relação ao PIB per capita, que o do México e quase o dobro que o dos países que pertencem à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico.
O funcionário típico do governo brasileiro ganhou 42% a mais no ano passado do que o trabalhador comum. […]
Isso exacerbou fortes distorções na economia: os brasileiros pagam impostos surpreendentemente altos para financiar um setor estatal inchado que oferece serviços públicos deficitários. O setor privado também ficou sufocado.
“Nós não conseguimos pagar o aparato estatal que construímos”, disse Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, que supervisiona os gastos do governo. […]
Por enquanto, juízes e parlamentares podem chegar a ganhar 30 vezes o salário médio do setor privado, além de regalias. […]
No ano passado, o governo federal gastou 20,6 % do PIB em salários, benefícios e despesas administrativas, restando apenas 1 % para investimentos, de acordo com a Associação Contas Abertas. […]
Tudo isso distorceu fortemente as condições do setor privado, de acordo com José Pastore, ex-professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo e ex-membro do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho.
Seguindo a furada Cartilha do Politicamente Correto, a imprensa chama funcionário público de servidor. Eu vou chamar de funcionário, por desobediência.
E por causa da imprecisão do termo. Afinal, todos nós somos servidores públicos. O engenheiro que passa da iniciativa privada para o cargo público não se transmuta num ser altruísta. Ele continua priorizando sua carreira, seu “polpudo salário” e sua estabilidade. O rapaz que vende coco na praia está servindo ao público, os pedreiros que construíram os prédios da sua cidade estavam servindo ao público, os engenheiros que conceberam a tela em que você está lendo este artigo estavam servindo ao público.
Só porque o sujeito extrai sua renda do imposto que você paga, e não do produto que você compra, isso não significa que ele serve mais ao público do que seu semelhante da iniciativa privada.
Na verdade, são exatamente os funcionários públicos, os burocratas, que menos servem ao público. Como não produzem, mas sobrevivem dos tributos, eles precisam extrair a sua renda do setor produtivo da sociedade. Ao passar do setor produtivo para o estatal, o profissional competente está passando do numerador para o denominador da economia: extraindo mais recursos do que criando.
O burocratismo ainda tem outros problemas menos aparentes. O empregado do governo também é um eleitor do governo: participa do processo político que lhe favorece. Quando ele olha para o orçamento, o que você acha que ele prioriza: a responsabilidade fiscal ou o aumento de seu salário? Quando vai às urnas, qual a sua mentalidade? A consciência do bem comum ou a garantia de estabilidade? O jogo aqui é de soma zero.
O que o burocrata toma da sociedade é em geral transferência de recursos. E para fortalecer a defesa de seus interesses profissionais, os funcionários públicos se fundem em grupos de interesse. A sociedade como um todo sai perdendo, mas a categoria profissional consegue tornar ainda mais atraente a matrícula em seu grupo de interesse. Isso atrai mais candidatos, criando mais demanda por concursos e, por conseguinte, políticos dispostos a suprir essa demanda.
No início do Século XIX, Charles Dunoyer percebeu esse ciclo na França pós-revolucionária. Em L’Industrie et la morale [A indústria e a moral], Dunoyer aponta para a burocracia como a substituta da aristocracia derrubada. A “paixão pelos cargos” levara à criação de uma classe de pessoas cujo principal interesse era a expansão da oferta dos empregos públicos. E não eram apenas os empregos que se multiplicavam, notava Dunoyer, mas também o poder da administração estatal, que precisava se inflar para acomodar a crescente demanda.
No século seguinte, o economista Ludwig von Mises observou como que a ruína das repúblicas européias no início do século XX estava associada ao inchaço do funcionalismo público. A razão é compreensível: se os membros do congresso não mais se consideram mandatários dos pagadores de impostos, mas procuradores daqueles que recebem salários, pagamentos, subsídios, auxílios e outros benefícios do tesouro, a democracia se torna insustentável.
[N. do E.: o Banco Mundial criou um indicador próprio que calcula a carga tributária total que incide sobre as empresas de cada país. Esse indicador mensura o total de impostos diretos e de contribuições obrigatórias pago pelas empresas de cada país — após as deduções e isenções permitidas — em relação ao seu lucro. O indicador desconsidera imposto de renda de pessoa física e impostos indiretos (como ICMS, IPI, II etc.).
O Brasil é nada menos que o 11º colocado. Só está melhor que Comores, Argentina, Eritréia, Bolívia, Tajiquistão, Palau, Mauritânia, Argélia e República Centro-Africana. Está praticamente empatado com a Colômbia, embora esta venha em forte trajetória da queda da carga tributária.
No Brasil, as empresas pagam 69,2% de impostos em relação aos seus lucros. A social-democrata Dinamarca, por exemplo, cobra apenas 24,5%.
Isso acentua ainda mais as injustiças. Dado que é justamente o setor privado quem tem de sustentar a farra do setor público, é impossível haver bons salários na iniciativa privada. Toda essa carga tributária sobre as empresas, que coloca o Brasil na 11º posição mundial e que impede aumentos salariais na iniciativa privada, existe justamente para sustentar o setor público e seus salários magnânimos, pagos pelos trabalhadores da iniciativa privada. E estes ganham pouco justamente porque têm de bancar os membros do setor público.
Com uma carga tributária escorchante como essa, como exigir que as empresas contratem mais e paguem melhor?
A esquerda, que se diz “defensora dos trabalhadores”, faz um silêncio ensurdecedor.]
Conclusão
O burocratismo e os privilégios à casta de funcionários públicos são, portanto, uma doença sociopolítica que pode levar à falência das próprias instituições de um país. Enquanto isso não acontece, é a falência da produção intelectual que continua vitimando alguns de nossos melhores cérebros.
Pedir às pessoas para mudar seu comportamento, e não seguir a carreira do funcionalismo, é ilusão. Enquanto essa estrutura de incentivos não for alterada, o Brasil continuará vítima da elefantíase burocrática. E os trabalhadores da iniciativa privada — que é quem emprega os mais pobres — continuarão com os salários achatados. Isso se tiverem emprego.
Diogo Costa é Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis e Mestre em Ciência Política pela Columbia University de Nova York. Seu blog: http://www.capitalismoparaospobres.com
Fonte: http://www.mises.org.br/