Em Ação Civil Pública movida pelo Vigilantes da Gestão Pública, o juiz Marcelo Furlanetto da Fonseca, da Vara da Fazenda Pública de Astorga, em sentença de quinta-feira, declarou a inconstitucionalidade do decreto nº 013/2021, que nomeou a advogada Laís Berti Resqueti para o exercício do cargo em comissão de procuradora jurídica (símbolo CC-1) da Prefeitura de Pitangueiras. A decisão foi em ação civil pública julgada parcialmente procedente, movida pelo Vigilantes da Gestão e que tem como ré, também o prefeito Sargento Samuel Teixeira.
Em 2021 o prefeito nomeou a procuradora jurídica, cargo que não foi criado por lei específica, existindo cumulação indevida de benefícios. O Ministério Público apontou que o cargo comissionado de procurador jurídico, embora houvesse sido criado por lei, não tinha suas atribuições definidas no diploma legal, padecendo de vício insanável a nomeação para o cargo, alegando no entanto, boa-fé dos réus e pugnando pelo não ressarcimento dos valores recebidos.
Em síntese, em 04/01/2021 Laís foi nomeada Procuradora do Município de Pitangueiras pelo Prefeito Samuel, através do Decreto no 013/2021; ato este irregular, visto que o cargo não foi criado por lei específica e há cumulação indevida de benefícios por Laís Berti. O VGP requereu a fim de que a justiça suspendesse a nomeação, bem como determinar a indisponibilidade de bens dos réus até o valor de R$ 20.040,00, o que neste último quesito, foi indeferido.
O Prefeito Samuel Teixeira e o Município de Pitangueiras/PR apresentaram contestação alegando que não há nulidade ou ilegalidade de nomeação de cargo inexistente, já que o cargo é comissionado e, portanto, de livre nomeação e exoneração. Porém, não se trata de modalidade de dedicação exclusiva.
O Vigilantes da Gestão, através do seu Coordenador Jurídico Dr. Raphael Marcondes Karan, arguiu que o Decreto no 013/2021 que nomeou a ré Laís para o exercício do cargo de Procuradora Jurídica é ato nulo, tendo em vista que o cargo não foi criado por lei específica e há cumulação indevida de benefícios. Os cargos de provimento em comissão, dentre eles o de o de Procurador Jurídico, foram criados pela Lei Municipal no 038/1994. No entanto, o referido diploma legal não descreve as atribuições do cargo de Procurador Jurídico, conforme consignou o Supremo Tribunal Federal no Tema 1010 (RE 1041210 RG, Rel. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/09/2018):
- “a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais;
- b) Tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado;
- c) O número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e
- d) As atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.”
A Lei Municipal no 400/2009, por sua vez, prevê a Procuradoria Jurídica como órgão integrante da Administração Superior do Município, composto pelo Procurador Jurídico e pelo Departamento de Assessoria Jurídica. A mesma lei dispõe atribuições da Procuradoria Jurídica.
Em seu relato, o Juiz Marcelo Furlanetto da Fonseca, da Vara da Fazenda Pública de Astorga, cita:
“Não se pode concluir, no entanto, que as atribuições do cargo de Procurador Jurídico são aquelas previstas no rol de competências da própria Procuradoria Jurídica (art. 24, LM 400/2009), já que o órgão não se confunde com o cargo público. A respeito do tema, vejamos o que ficou consignado na Consulta no 019/2022 realizada pelo CAOP do Patrimônio Público: “O órgão Procuradoria Jurídica do Município de Pitangueiras é parte da desconcentração administrativa dos Poder Executivo local. Para melhor exercer as competências municipais, distribuem-se entre diversos órgãos os poderes- deveres constitucionalmente atribuídos ao Município. À Procuradoria, assim, são conferidas as competências descritas na Lei Municipal nº 400/2009, com a necessária alocação de recursos materiais e humanos para seu exercício. Os cargos públicos não podem ser confundidos com os órgãos em que estão alocados, e demandam definição legal de suas atribuições. A mera denominação formal do cargo, aliás, não é suficiente para que se extraiam as funções acometidas a seu ocupante.” A legislação municipal não disciplinava especificamente as atribuições e a forma de investidura no cargo em comissão de Procurador Jurídico no momento da nomeação da ré Lais Berti Resqueti, violando os requisitos constitucionais para a criação e provimento do cargo comissionado, bem como as orientações firmadas pelo Supremo Tribunal Federal.
É importante ressaltar ainda, que a investidura em cargo público é feita por meio de aprovação em concurso público, como determina o art. 37, inc. II, da CR/88, mas em situações excepcionais e para atender a necessidade de temporária de interesse público, a CR/88 admite a contratação por tempo determinado (art. 37, inc. IX). Contudo, o art. 27, V da Constituição Estadual limita a criação de cargos em comissão apenas para as hipóteses de atribuições de direção, chefia e assessoramento. Logo, evidencia-se que não há possibilidade de criação de cargo comissionado que tenha atribuição diversa da direção, chefia e assessoramento, por parte da municipalidade, uma vez que é contrária à exigência do concurso público.
No caso, o exame das atribuições vinculadas ao cargo impugnado, fixadas na Lei Municipal 714/2021, conduz à inafastável conclusão de que contrastam materialmente com os princípios constitucionais estampados no artigo 37 da Constituição Federal. Aludidos cargos não trazem, a rigor, atribuições próprias de direção, chefia e assessoramento a demandar especial relação de fidúcia com o Chefe do Executivo, mas apenas plexo de atividades meramente técnicas, burocráticas e operacionais, e próprias da advocacia pública, distanciando-se da atividade superior inerente à natureza dos cargos em comissão, vinculada ao liame de confiança que deve existir entre administrador nomeante e servidor nomeado, superando singela obrigação de lealdade à Administração, que todo integrante de seus quadros deve possuir.
Partindo-se dessa premissa, constatou-se que as atribuições conferidas pela referida lei, no que tange ao cargo comissionado de Procurador Jurídico avançam no desempenho da atividade jurídica consultiva, que é privativa da advocacia pública, devendo, portanto, ser exercidas por servidores ocupantes de cargos efetivos.
Diante da inconstitucionalidade das Leis Municipais no 038/1994 e 714/2021, o juiz Marcelo Furlanetto da Fonseca, da Vara da Fazenda Pública de Astorga, em sentença de quinta-feira, declarou nulidade do ato impugnado (nomeação de Lais Berti Resqueti para o cargo de Procuradora Jurídica do Município de Pitangueiras).”
E assim determinou:
“Ante o exposto, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, para declarar a inconstitucionalidade do Decreto no 013/2021 que nomeou a ré Laís Berti Resqueti para o exercício do cargo em comissão de Procuradora Jurídica (Símbolo CC-1). Nos termos dos artigos 82, §2o do Código de Processo Civil, ante a sucumbência parcial e recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada. Incabível, na espécie, a condenação em honorários advocatícios.”
Juiz Marcelo Furlanetto da Fonseca, da Vara da Fazenda Pública de Astorga