Se uma empresa normal está insolvente e suas contas não fecham, então há apenas uma medida que ela deve tomar: dado que elevar as receitas nem sempre é possível — pois isso depende das condições do mercado —, então ela tem de reduzir drasticamente seus custos. Funcionários devem ser demitidos, salários devem ser diminuídos, e vários de seus ativos devem ser vendidos para gerar receitas que possibilitem a quitação das dívidas.
As únicas pessoas afetadas pela falência desta empresa são seu proprietário, seus empregados, seus credores (e apenas caso não haja ativos suficientes para serem vendidos a fim de se quitar a dívida), e, indiretamente, seus fornecedores e clientes fieis.
No entanto, uma falência corporativa não altera a riqueza nacional total. Tanto a quantidade de dinheiro quanto de bens de capital, de máquinas, de ferramentas, de instalações industriais e de capacidade produtiva continua sendo a mesma de antes da falência. Nada se alterou. O fato de uma empresa ter falido não faz com que seus bens físicos magicamente desapareçam. Uma falência é simplesmente um processo contábil que pode gerar mudança de propriedade sobre bens físicos já existentes: esses bens físicos podem ou continuar funcionando exatamente como antes, mas sob nova direção, ou podem ser adquiridos por outra empresa e serem direcionados para outras linhas de produção.
Uma falência afeta apenas as pessoas que estavam envolvidas com a empresa falida, que agora terão menos bens e dinheiro. Já as pessoas envolvidas com as outras empresas que adquiriram os bens da empresa falida terão correspondentemente mais bens à sua disposição.
E é assim que tem de ser: os responsáveis pela má administração da empresa, bem como todos aqueles envolvidos com essa empresa, devem arcar com as consequências.
Esse mesmo raciocínio deveria ser válido para um governo (seja ele federal estadual ou municipal). Mas o problema é que o governo não é uma empresa normal. Ao contrário de todas as outras empresas, o estado não obtém suas receitas por meio da produção e venda de bens e serviços; seus “clientes” não têm a opção de se abster de comprar seus bens e serviços.
As receitas do estado são obtidas por meio de impostos, os quais são pagamentos compulsórios que seus “clientes” são obrigados a fazer, a um preço totalmente determinado pelo próprio estado, não importando se eles, os clientes, querem realmente fazer esse pagamento ou se eles consideram esse preço alto demais.
Adicionalmente, o estado também pode obter receitas via endividamento. Mas a dívida do estado, ao contrário da dívida de uma empresa, será inteiramente quitada por seus “clientes” — queiram eles ou não; tenham eles ou não concordado com isso — via impostos, o que nos remete novamente à situação acima descrita. Para piorar, devido às particularidades do nosso atual sistema bancário e monetário, quando o estado se endivida, há criação de dinheiro pelos bancos, o que significa que os “clientes” do estado, além de arcar com o endividamento do estado por meio de impostos, ainda terão o poder de compra da sua moeda reduzido pela inflação.
Em suma, o estado não é uma empresa produtiva que sobrevive com o dinheiro de clientes que voluntariamente adquirem seus bens e serviços. O estado é, isso sim, uma empresa parasítica. Os proprietários e gerentes do estado, as pessoas que trabalham no estado e as pessoas que dependem do estado para sobreviver não produzem riqueza e nem geram renda; ao contrário, elas consomem a renda e a riqueza da nação, renda e riqueza que foram produzidas por empresas e trabalhadores normais.
Isso nos leva a duas conclusões
Primeira conclusão: se o estado sofresse um processo de falência como qualquer empresa normal, isso seria uma bênção para os trabalhadores e empresas produtivos do país. Obviamente, tal processo de falência não seria nada agradável para os proprietários e gerentes da “empresa” estado, para seus empregados e para as pessoas que dependem do estado para sobreviver. Mas para todas as outras pessoas e empresas produtivas, as quais sobrevivem por meio do mercado voluntário, o processo de falência do estado seria uma bonança.
Se os proprietários e gerentes do estado assumissem a responsabilidade por sua má administração e insolvência, como ocorre com os proprietários e gerentes de qualquer empresa normal, então isso significaria que: os salários e pensões dos funcionários públicos deveriam ser cortados, vários outros funcionários públicos deveriam demitidos, contratos com empreiteiras e outras empresas deveriam ser revisados ou cancelados, vários gastos correntes e despesas de custeio deveriam ser abolidos, várias repartições (ministérios, secretarias e agências reguladoras) deveriam ser fechadas, e a venda de ativos (desde prédios e terrenos até empresas estatais) deve ser intensificada.
[N. do E.: no Brasil, salários para cortar no setor público é o que não falta. No setor judiciário, a despesa média com cada funcionário foi, em 2014, de R$ 15.100; no legislativo, de R$ 14.900; no executivo, de R$ 9.919 (fonte aqui). Enquanto isso, na iniciativa privada, que é quem banca tudo isso por meio de impostos, o salário médio é de R$ 1.904.
Como não há mágica em economia, os trabalhadores do setor privado ganham pouco justamente porque têm de bancar os membros do setor público. A crescente carga tributária, que existe para sustentar os salários do setor público, impede aumentos salariais na iniciativa privada.
Aproximadamente R$ 425 bilhões são gastos anualmente para custear a máquina pública. Apenas para garantir salários, R$ 214 bilhões sustentam 900 mil funcionários públicos.
E o próprio partido do governo não apenas se gaba de ter expandido a máquina pública, como ainda se jacta de estar estimulando 10 milhões de pessoas a anualmente virarem concurseiros (leia esse último link apenas se tiver estômago forte).
Para completar, apenas para subsidiar seus empresários favoritos, o BNDES já gastou mais de R$ 600 bilhões.]
Assim como ocorre com um processo de falência no setor privado, o capital total nacional não seria afetado por um processo de falência do governo. A quantidade de dinheiro e de bens disponíveis antes do processo de falência continuaria existindo normalmente depois do processo. Haveria apenas menos dinheiro e bens nas mãos das pessoas que estão dentro do estado, e mais dinheiro e bens nas mãos de pessoas que estão fora do estado.
No caso de uma falência total — ou seja, se o total da dívida do governo exceder o valor total dos ativos do estado —, então, após a venda de todos os ativos e o subsequente abatimento possível da dívida, aqueles que continuarem credores e não receberem seu dinheiro, azar o deles. Eles não deveriam ter emprestado seu dinheiro para uma “empresa” que utiliza o dinheiro confiscado de terceiros para quitar suas dívidas.
[N. do E.: vale ressaltar que um calote completo da dívida não é recomendado, pois, dado que os título públicos estão em posse dos bancos, um calote nesses títulos destruiria completamente o balancete desses bancos. E, com um sistema bancário destruído, isso afetaria severamente nosso padrão de vida. Por isso o autor é explícito em dizer que o estado deve quitar suas dívidas por meio da venda total de ativos, do corte de gastos, do corte de salários do funcionalismo público, da demissão de funcionários públicos e da abolição de contratos com empreiteiras]
Caso o estado seja inteiramente liquidado, toda a riqueza nacional voltará exatamente para as mãos de que a criou: trabalhadores e empresas produtivos. Não apenas milhões de trabalhadores e produtores estariam agora livres do fardo parasitário do estado, como também poderiam produzir muito mais livremente, sem ter de sustentar uma máquina sugadora de recursos e riquezas.
Adicionalmente, o exército de funcionários públicos demitidos, os quais até então viveram à custa do suor e da produtividade de trabalhadores e empresas do setor privado, poderão agora — talvez pela primeira vez na vida — buscar uma atividade produtiva no setor privado, desta maneira obtendo renda e riqueza por meio de trocas voluntárias.
Esse aumento do número de pessoas no setor privado, as quais agora, para sobreviver, teriam de trabalhar e produzir bens e serviços que realmente sejam demandados pelos consumidores, geraria um grande milagre econômico. A oferta de bens e serviços aumentaria acentuadamente, e tudo isso possibilitado pela ausência de burocracias e regulamentações impostas pelo estado.
Segunda conclusão: infelizmente, nada disso irá acontecer. O estado, mesmo estando falido, não irá enfrentar um processo de falência como as empresas normais. Para se livrar do fardo da falência, o estado simplesmente transferirá seu fardo para as pessoas do setor produtivo, aumentando suas receitas por meio de um aumento de impostos ou da criação de novos impostos. No extremo, em vez de vender ativos, o estado pode se apropriar de novos ativos, por meio de uma estatização forçada (como fez o governo da Argentina ao se apropriar de fundos de pensão privados).
Consequentemente, o lado produtivo da economia sofrerá ainda mais quando o estado estiver quebrado. A riqueza privada será ainda mais espoliada. Haverá um número cada vez menor de produtores e de produção, e um número cada vez maior de parasitas e de parasitismo [N. do E.: como o próprio partido do governo faz questão de exaltar]. A renda média dos trabalhadores do setor privado irá cair. A população como um todo estará mais empobrecida. E aqueles que foram iludidos pela segurança da Previdência Social irão se descobrir sem aposentadoria.
E o que acontecerá com os gerentes do estado responsáveis por essa calamidade? Na pior das hipóteses serão substituídos por uma “nova” geração de políticos prontos para posar de salvadores. E, sob a nova direção destes, todo o processo de incompetência administrativa e malversação de recursos continuará impávida — a menos que um milagre aconteça e a população finalmente consiga entender o que se passa e comece a tratar o estado e seus gerentes como aquilo que são: uma quadrilha cruel e irresponsável, formada por ladrões maliciosos e arrogantes.
Autor: Hans-Hermann Hoppe – membro sênior do Ludwig von Mises Institute